Tudo aquilo que queriam perguntar sobre Dota 2 e nunca tiveram oportunidade de o fazer.

Andei a adiar este Ia-me Esquecendo durante muito tempo. Por um lado, não creio que seja um jogo que agrade à maioria dos que nos lêem. Por outro, uma vez que não o abordei na minha rubrica aDOTA-me, criada mais para falar sobre jogos custom dentro do jogo do Dota 2, fui deixando as coisas andar. Por outro ainda, porque é quase demasiado fácil falar-se de um jogo que se adora e onde se gastam centenas e milhares de horas de bom entretenimento. No entanto, mais de 4 anos depois do seu lançamento, Dota 2 continua a ser o jogo mais jogado na Steam e um dos mais jogados do mundo, tendo passado pelas mãos de mais de 93 milhões de pessoas desde o seu lançamento e sendo hoje um dos principais pilares e dinamizadores do mundo dos eSports. E, claro, o Ia-me esquecendo é mesmo para falar de jogos que, como Elefantes no meio da sala de estar, toda a gente vê, toda a gente sabe que lá estão, mas poucos se dão ao trabalho de neles reparar e de lhes perguntar, educadamente, se quer um cházinho ou um Gin. Um dos desafios aqui será falar de tudo o que tornam Dota 2 um jogo fabuloso, uma obra-prima do game design, e torná-lo compreensível. E, se é certo que algumas coisas se venham a perder devido ao abusivo número de detalhes que tornam o jogo brilhante, procurarei minimizar os pontos que se venham a perder por pura falta de enquadramento pelo que, aqui e ali, cairei no lugar-comum de comparar Dota 2 com o seu “rival” League of Legends ou, como diria certo jornal da nossa praça, “Leag of Legend”(sic).


Dota 2 é um sucesso, em termos comerciais, em termos de player base e em termos tecnológicos. Para mim, que dou aulas sobre criação de videojogos, é também um case study em termos de game design, game balancing, level design, monetização e exploração comercial. Voltemos um pouco atrás no tempo para se desenrolar este fio de história de videojogos que preenche grande parte do tear do panorama actual.

A génese de Dota

2002 é o ano em que é lançado pela Blizzard WarCraft III: Reign of Chaos. Este jogo de estratégia em tempo real incluía um World Editor, um editor que permitia aos jogadores e comunidades criarem os seus mapas e cenários. Foi aí que DotA nasceu. Defense of the Ancients. Um jogo na senda de Aeon of Strife, o verdadeiro precursor dos actuais MOBA/ARTS, lançado como Mod para StarCraft: Brood War e mais tarde portado para o motor de Warcraft III. DotA é lançado em 2002, por Eul. Em 2004 era lançada a versão DotA Allstars e, um ano depois, versões subsequentes desse DotA Allstars marcam presença na World Cyber Games. Seguem-se Blizzcon, ClanBase e Cyberathlete Professional League. Era o nascimento da era dos MOBAs nos eSports.

A história do desenvolvimento e das mudanças do jogo

Parte da equipa que vinha desenvolvendo DotA sai e busca um empreendimento a solo. Nasce a Riot Games e o seu League of Legends, indo buscar muitas das influências de DotA mas procurando simplificar muitas das suas mecânicas de jogo. Não foi uma fase bonita na história dos videojogos, com muitas coisas por resolver e explicar ainda hoje. Alguns dos elementos anteriormente na equipa de DotA abandonaram-na seguindo uma política de terra queimada, e os fóruns e o site da comunidade de DotA Allstars viram-se eliminados ou utilizados como publicidade para League of Legends.

(não foi uma fase bonita, definitivamente)

Entretanto, IceFrog mantém-se fiel ao DotA. Contactado pela Valve, começa o desenvolvimento de Dota 2 em 2009. 2011 marcaria o aparecimento daquele que é hoje um dos maiores eventos do mundo, dentro ou fora dos eSports: o The International. Na altura, ainda numa fase precoce de Beta, o jogo estava acessível apenas a um reduzido número de jogadores. Mas isso não impediu a Valve de promover o jogo e criar o primeiro evento de eSports com prémios acima do milhão de dólares, de que fala o documentário Free to Play, que aqui se mostra.

O jogo viria a ser lançado mundialmente apenas em 2013, depois de um 2012 onde ia sendo disseminado através de convites para a fase Beta. Fiel ao espírito de DotA, o jogo manteve parte das mecânicas que a então Riot tinha optado por deixar de fora ao criar o LoL. Duas bases com uma estrutura central, unidas por três caminhos distintos, protegidos por torres de defesa. A dividir o mapa, um rio, ladeado de florestas… do lado dos Radiant, uma frondosa e luxuriante floresta, do lado dos Dire, um monte de árvores secas e decrépitas. Dota 2 coloca-nos na pele de um Herói. Uma personagem com um conjunto de habilidades únicas que pode ir adquirindo e evoluindo à medida que vai ganhando experiência. O objectivo final é o de destruir a base adversária. Pelo meio, dezenas de objectivos intermédios. Pela frente, outros Heróis, também eles únicos no seu papel, também eles capazes de evoluir com a experiência.

Dota 2 joga-se cinco contra cinco. Escolhemos um herói por entre os perto de 120 heróis disponíveis e saltamos para a acção. Os heróis estão divididos por três categorias: Força, Agilidade e Inteligência. Esses atributos têm cada um o seu papel. Cada ponto de Força equivale a 20 health points. Adicionalmente, cada ponto de Força contribui também para a capacidade regenerativa do Herói. 37 pontos de Força são suficientes para conferir +1 hp regen por segundo. O segundo atributo é a Agilidade. Cada ponto de Agilidade confere ao Herói +1 de velocidade de ataque e contribui para a sua resistência ao dano físico: 7 pontos de Agilidade = 1 Armadura. Por último, a Inteligência. Cada ponto em Inteligência aumenta a Mana Pool do Herói em 12 de Mana, aumentando também a sua Mana Regen e o Spell Damage das suas habilidades. 25 pontos de Inteligência são necessários para garantir +1 Mana Regen por segundo. E em que é que as divisões por categoria influenciam cada herói? Simples… dependendo da sua habilidade “base”, cada ponto nessa habilidade confere ao herói +1 de dano de ataque. Ou seja, para um herói de Força, 10 pontos de Força  conferem 200 hitpoints, +0,3 hp regen por segundo e +10 de ataque. Assim, se a nossa preocupação é o dano, deveremos dar prioridade ao atributo correspondente ao nosso atributo primário.

Mas não se preocupem em ser muito rígidos quanto a isto. É muito comum os jogadores construírem itens que lhes forneçam atributos longe do seu atributo principal. Não adianta sermos um poderoso caster se durante uma batalha falecemos com duas lambadas bem dadas, por isso é perfeitamente aceitável se em dada altura derem prioridade a itens de Força para aumentar os vossos hitpoints, sendo um Herói de Inteligência. As distinções estão lá, sim, mas são ténues e não dá para categorizar… Respondendo a uma das perguntas que mais vezes me fazem, não, nem todos os carries são de Agilidade, ser de Força não implica que seja um tank e não são só supports os Heróis de Inteligência. Há-os para todos os gostos e feitios e se a esmagadora maioria dos heróis de Agilidade são carries (sendo que cada ponto em agilidade aumenta o dano, a velocidade de ataque e também a resistência aos ataques), também os há que assumem mais um papel de support, por tradição ou por quase nomeação. Ou seja, a informação está lá mas não é nenhum impedimento a fazerem os itens que quiserem ou a usarem o Herói como bem entenderem… o que nos leva ao segundo ponto: a “posição” em que joga determinado herói. Algo que veremos no próximo versículo.

[FIM do versículo 1] [Versículo 2] [Versículo 3] [Versículo 4] [Versículo 5]

[ Todas as imagens aqui presentes, bem como todos os testes realizados com Dota 2  foram realizados na máquina fornecida pela Alientech, a ALIENTECH MASTER EDITION, cujos specs podem verificar aqui.]