Numa mudança de tom extrema para aquilo que nos habituaram, o estúdio Shiro Games afasta-se diametralmente do campo dos RPGs (e da viagem histórica e mecânica) dos seus jogos anteriores: Evoland 1 e 2. Passar dos aclamados indies que conquistaram a comunidade pela forma como contaram décadas de História de RPGs (e JRPGs) para um RTS é uma missão difícil. Mas ainda que esteja em Early Access, Northgard demonstra que esse salto para o terreno inóspito de outro género poderá trazer frutos. Pelo menos até o Inverno chegar em todo o seu rigor.

Já por diversas vezes critiquei a falta de inspiração do mercado mobile por contagiar o sucesso de Clash of Clans por centenas senão milhares de cópias óbvias do milionário jogo da Supercell. Esta influência nota-se especialmente na colagem estética que muitos jogos de estratégia no mercado móvel tendem a seguir, tornando screenshots de jogos distintos, perfeitamente indistintos ao reconhecimento entre si. Ver este contágio visual a chegar aos jogos de PC é algo que me preocupa pela limitação criativa a que pode levar, e essa proximidade artística que Northgard apresenta (suavizada com a influência de Warcraft) quase que serviu de detractora da minha vontade de o jogar de forma profunda.

Northgard é um jogo clássico na forma como apresenta o leque de caminhos possíveis à nossa vitória, típica da tremenda influência que a obra de Sid Meier teve nos jogos de estratégia. Ao contrário da tónica do final dos 1990s em que grande parte dos RTS seguiam a norma de que o único caminho possível era o bélico, Northgard vem trazer-nos outras hipóteses e outras abordagens, que permitem que cada novo jogo seja uma experiência “nova” por si só.

Desde a possibilidade de termos uma vitória “cultural”, ao sermos a facção que desenvolveu mais tecnologias e recebeu o reconhecimento de 4 deuses, passando pela vitória do “reconhecimento”, ao tornarmo-nos a facção com mais Fama, que é obtida por derrotar criaturas no “tabuleiro”, e claro, a forma usual de vencer, através da aniquilação dos clãs adversários.

Northgard é um jogo de equilíbrios em que cada falha é mais punitiva do que em jogos de estratégia semelhantes. Cada aldeão pode ser treinado para ser tornar qualquer outra “classe”, desde guerreiro a pescador. Os aldeões vão surgindo automaticamente do “forte” da nossa facção a um ritmo que é determinado pela felicidade do povo. Os recursos são importantíssimos para a sobrevivência do clã, sendo que a comida e a madeira são verdadeiramente fulcrais. É que o setting invernal de Northgard não é apenas decorativo, controlarmos um clã viking no Norte implica que temos de nos precaver para os rigores do Inverno, empilhando o máximo de comida e madeira para sobreviver e impedir que o povo morra à fome e ao frio, especialmente porque durante este período (como é lógico) o nível de recolha de comida e de madeira cai vertiginosamente.

Uma má escolha que leve à perda de 2 ou 3 unidades pode significar a nossa derrota, já que a nossa capacidade de recuperar ou de manter os diversos edifícios activos pode ficar seriamente comprometida.

O outro equilíbrio mecânico a que o jogo nos obriga prende-se com o número limite de edifícios que podemos construir por “área”. Visto que necessitamos de recursos específicos para as construções de produção apropriadas, há sempre uma dúvida sobre o que construir. Se uma área só permite duas construções, mas necessitamos desesperadamente de casas para aumentar o número de aldeões que possuímos, temos de optar por fazê-lo em detrimento de outra escolha qualquer que nos possa dar vantagem em termos de recursos.

Northgard não é difícil de compreender, e é nesse sentimento de quase déja vu que reside grande parte do seu segredo, e do quão rapidamente conseguimos mergulhar de cabeça na neve que cobre o jogo durante o Inverno. Mas sendo um jogo ainda em Early Access também percebemos que há desajustes mecânicos, e rapidamente percebi que neste momento a opção da vitória “cultural” poderá ser a mais proveitosa em termos de eficácia de vitória.

Só nos resta esperar que os criadores da Shiro Games saibam aproveitar o feedback que estão a receber com o grande envolvimento da comunidade, e do grande sucesso comercial que o jogo teve no Steam para afinarem à exaustão o jogo até ao seu lançamento.

O facto é que vamos ter aqui um grande RTS. Isso é uma certeza.