Caçada semanal #73

Quem percorre com frequência e sofreguidão o mercado indie vai percebendo que em muitos jogos aparentemente microscópicos, com orçamentos reduzidos e equipas ainda mais pequenas, que muitas vezes surgem as grandes surpresas, as teias complexas de mecânicas e abordagens que fariam corar alguns AAA por comparação, por alcançarem menos com muito maior orçamento. É sobre esse “não julgar um livro pelo seu tamanho” que falamos nestes 3 indies desta semana.

Earth’s Dawn

Se à primeira vista têm de esfregar (literalmente) os olhos porque acham que estão a ver uma espécie de Odin Sphere, então deixamos-vos a garantia que não é só uma ilusão, essa direcção artística próxima das criações da Vanillaware é a maior forma de captar a nossa atenção.

Em Earth’s Dawn percorremos os EUA pós-apocalípticos (esperamos que não por intervenção da Administração Trump). No total são apenas 7 níveis diferentes contendo mais de 100 missões, o que, a par de outros jogos japoneses, significa que numa porção muito pequena de level e game design foi incluído uma tremenda carga de grind.

Todos os monstros dessas 100 missões (ainda que sejam muito repetitivos entre si, e com pouca diversidade) deixam cair como loot uma panóplia de materiais que terá de ser usada – espantem-se! – para fazer crafting de armaduras e armas. 

Com muito button mashing, repetição, grind e níveis que duram poucos minutos, Earth’s Dawn funciona se apreciado à proporção do seu tamanho real: em pequenas doses. Mais do que isso percebe-se a falta de conteúdo óbvia que o jogo contém.

Rain World

Tenho um hábito de não ler nada sobre os jogos sobre os quais vou escrever, e muitas vezes chego ao extremo de nem sequer ver os trailers. Olhei para Rain World, mais um jogo da mui-profícua editora Adult Swim Games e assumi: “olha um platformer com uma forte carga artística, “filho” espiritual da onda notorizada pelo Ori and the Blind Forest”.

Estava errado.

Rain World é um jogo de acção/plataformas/sobrevivência, com uma aura de terror muito próprio. Basta vermos as criaturas que preenchem o mundo e que servem de fonte de comida e perigo ao nosso protagonista, o Slugcat (lesmagato em português?), em que as suas deliciosas e fluídas animações representam grande parte do apelo deste jogo.

O nosso objectivo neste jogo estranhamente cruel é o de conseguir recolher o máximo de comida possível, encontrar um local seguro e hibernar, recomeçando o ciclo de dia e permitindo a nossa sobrevivência mais um dia.

O mundo é sujo, e simultaneamente bonito dentro de todo este negrume e da sua crueldade latente que é bem presente nas mecânicas. Aquilo que me parecia um simpático platformer afinal é um survival game muitas vezes injustamente difícil, e é frequente perdermos todo o progresso que fizemos não apenas pela nossa falta de habilidade, mas pela verdadeira vontade do jogo querer que falhemos.

Mas pensando bem, não é assim que por vezes sentimos que o mundo é na realidade?

VoidExpanse

Não pela maravilha visual – que não tem – ou pelo cativante enredo e linhas de diálogos – que também não tem – mas foi pela forma como um jogo tão simples conseguiu reunir uma série de conceitos e mecânicos de jogos espaciais em tempo real, inserindo tudo numa embalagem pequena e baratinha (por 5,99€ fazemos a festa no espaço).

Num pequeno jogo indie com muito para fazer, VoidExpanse coloca-nos no manche de uma nave customizável, percorrendo várias galáxias a fazer pequenas quests que vão de coisas habituais como ir até ali, salvar x pessoas perdidas no espaço, e regressar, a servir de mercador espacial e bounty hunter.

Com muitas quests, alinhamentos, galáxias e skilltrees para explorar, VoidExpanse coloca-nos à disposição a possibilidade de obtermos dinheiro pelo espaço da forma que melhor nos convier, adaptando a nossa nave a essas necessidades. Seja a minar asteróides, a servir de nave mercadora e carregar grandes quantidades de recursos inter-galáxias, ou mesmo a transformar a nossa nave numa máquina de batalha, é esta multiplicidade de abordagens que transformam um jogo tão pequeno numa verdadeira maravilha.

E a cereja no topo do bolo? O combate. Numa aproximação pseudo-”realista” com uma Física de movimento, inércia e disparo de projécteis que rapidamente se torna intuitiva, VoidExpanse traz-nos um combate espacial tão divertido e eficaz que julgo ser uma tremenda lição de game design para muitos developers de estúdios, ditos, maiores.