A subjetividade é realmente algo que nos é comum e ao mesmo tempo algo que nos faz ser tão diferentes uns dos outros e a verdade é que até no ato de jogar isso consegue ser realçado ao seu mais alto nível. Hoje trago-vos uma crónica sobre um jogo de tabuleiro que nos faz refletir sobre esta constatação e que é um dos meus jogos favoritos: o Mysterium!

Este jogo coloca-nos numa atmosfera de Anos 20, num ambiente de oculto e elevado secretismo. A história envolve-nos como sendo diferentes médiuns, capazes de contactar com fantasmas. Num momento de elevada preocupação do Sr. MacDowell – um brilhante astrólogo – este entra em contacto connosco para comunicarmos com uma entidade do além que está a tentar passar uma mensagem na sua casa na Escócia. São então dadas 7 horas aos fabulosos médiuns para decifrarem as mensagens do fantasma. Será que o Sr. MacDowell consegue livrar-se do fantasma de sua casa? A solução depende inteiramente da intuição da equipa e na poderosa capacidade do fantasma de passar a sua mensagem. O Fantasma irá comunicar transmitindo visões aos médiuns, os quais terão de decifrar quem foi o assassino que o matou, em que local e com que arma.

Já conseguem imaginar o contexto de jogo certo?

Em Mysterium, jogamos um jogo cooperativo de 2 a 7 jogadores, em que um destes é o Fantasma, e os restantes são os Médiuns. Tal como perceptível na história, os médiuns terão de interpretar as visões fornecidas pelo fantasma, o qual apenas irá comunicar através de cartas com imagens metafóricas. Assim sendo, o Jogo terá três fases importantes:

  • 1ª Fase

Esta é a fase de preparação em que o jogador fantasma seleciona aleatoriamente quem serão os suspeitos, as armas e os locais que os vários médiuns terão que decifrar. Para tal o fantasma terá um painel – que só ele poderá ver – no qual ele insere os suspeitos, as armas e os locais respetivos de cada médium.

  • 2ª Fase

Cada médium irá ter 7 turnos no total para descobrir um suspeito, um local e uma arma (sendo que nesta fase cada um terá de descobrir um suspeito, local e arma diferentes). Para tal, por cada hora (turno de jogo), o médium terá novas visões (imagens oferecidas pelo jogador fantasma) e terá de escolher a opção que considera ser mais pertinente de acordo com as opções que vê na mesa, sendo as primeiras opções relativas ao assassino, e as seguintes sobre o local e a arma. Nesta fase, os jogadores poderão discutir as suas decisões e inclusive votar nas opções, dos outros médiuns, que acham estar corretas ou erradas, ganhando pontos no final que lhes permitirão ver mais pistas na 3ª fase de jogo. Caso os jogadores não consigam nos 7 turnos descobrir as três mensagens, perdem todos o jogo. Caso consigam interpretar as mensagens do fantasma, passam todos à terceira fase.

O fantasma nesta fase terá sempre sete cartas na mão, indo buscar mais ao baralho sempre que fornece novas pistas a um médium. Caso não consiga com as 7 cartas que tem na mão fornecer uma boa mensagem a nenhum dos médiuns ele poderá usar um número limitado de corvos para descartar toda a sua mão cheia de cartas e buscar 7 novas.

  • 3ª Fase

Na terceira e ultima fase, caso os médiuns tenham a excelente capacidade de lá chegar, estes terão de descobrir de todos os suspeitos, locais e armas do crime que foram selecionadas corretamente por eles, qual é o grupo (de assassino, local e arma) correto. Para tal o jogador fantasma terá de selecionar das suas 7 cartas, apenas 3, correspondendo uma das cartas ao assassino, outra ao local e outra à arma. Dependendo da quantidade de pontos acumulados na 2ª fase de jogo (ganhos através dos votos das opções e no tempo (em turnos) que cada jogador descobriu o seu grupo de suspeito, local e arma) cada jogador poderá ver apenas uma, duas ou três pistas ao mesmo tempo, não podendo trocar ideias com os outros médiuns relativamente à sua decisão. Se no fim todos decidirem corretamente o mesmo grupo de assassino, local e arma, todos ganham o jogo.

Sem duvida Mysterium é um dos jogos mais divertidos e bonitos que já joguei, não só pelo seu cunho de mistério e trabalho de equipa, mas também pela subjetividade que lhe é inerente. Numa mesma pista (visão do fantasma), as várias pessoas podem interpretar coisas completamente diferentes, criando sentidos distintos relativamente ao jogo e muitas vezes alguma frustração (positiva) por não conseguir entender logo as mensagens transmitidas. Vemos pessoas mais objetivas e literais e outras que numa só pista do fantasma criam uma história extremamente elaborada relativamente ao que o jogador quis transmitir. Para quem gosta do lado psicológico/projetivo presente em jogo e de analisar a perceção subjetiva das pessoas, sem dúvida é um jogo que vale a pena.

Além disso, a experiência de quem joga na posição de médium e na posição de fantasma é extremamente distinta. Confesso que jogar na posição de fantasma é aquilo que mais gosto, não só por estar de fora a compreender uma dinâmica cuja solução apenas eu sei, mas também por ter de existir um elevado raciocínio de “o que é que o outro vai entender se eu lhe enviar esta carta? será que vai entender o que eu quero que ele entenda?”. A verdade é que isto leva-nos a desenvolver uma competência social extremamente útil nos dias que correm e difícil de encontrar, referindo-me à capacidade do ser humano conseguir colocar-se no lugar do outro e tentar de modo adaptado e compreensivo expressar-se não vendo apenas a sua visão. Certamente que se usássemos mais esta capacidade, teríamos menos problemas sociais no geral e menos mal-entendidos. Ainda assim, torna-se também frustrante para o fantasma a perceção de quando a sua mensagem não foi captada, principalmente quando não tem cartas na mão que possibilitem ele transmitir aquilo que deseja. Quantas vezes se sentiram frustrados ou impotentes por não conseguirem dizer algo a alguém? Bom, mesmo que não tenham gostado dessa sensação, preparem-se pois jogando como fantasma em Mysterium, é recorrente!

A jogar como Médium verifica-se um trabalho cooperativo muito interessante. Aqui as pessoas são obrigadas a tomar decisões que se podem arrepender, assim como podem justificar e argumentar com os colegas de equipa o porquê das suas decisões, algo que não é fácil para toda a gente! Sendo assim, este é realmente um jogo que reforça várias capacidades sociais, nomeadamente a comunicação e tomada de decisão mesmo quando não estamos totalmente seguros do que estamos a dizer ou fazer. Na posição de médiuns é realmente engraçado notar que existe a ideia de que “a culpa é sempre do fantasma”, uma boa racionalização para a nossa incompetência de não chegar à interpretação da mensagem ou então realmente uma perceção muito “criativa” por parte do fantasma.

Este é um jogo que realmente aconselho, principalmente para pessoas que gostem de Cluedo e Dixit, sendo Mysterium um mix elaborado entre estes dois. Além disso, para amantes do jogo de tabuleiro Deception, este poderá também ser uma opção divertida.

Podem aproveitar ainda a banda sonora alusiva ao próprio Mysterium para criar o ambiente perfeito de jogo e quem sabe proporcionar o espaço para algum role-play! O Jogo tem uma duração de cerca de 40 minutos e é para maiores de 10 anos de idade.

Desejo-vos então muita diversão a jogar Mysterium, ficando à espera do vosso Feedback!