Os mercados culturais são realmente surpreendentes. A forma como uma obra influencia outro, e essa nova obra pode levar no fim do caminho a influenciar a obra que a influenciou originalmente é uma das demonstrações de constante permeabilidade criativa. Seja na música, no cinema, na literatura, banda-desenhada ou qualquer demonstração cultural humana, é de uma riqueza fulcral para a evolução dos próprios meios que haja esta inter-influência. Os videojogos acabam por ser uma das faces mais visíveis deste valor.

Minecraft, o bilionário jogo criado pela (e na) Mojang é obviamente influenciado pelas peças da Lego, e não precisamos de falar com Markus Persson e a sua equipa para percebermos que eles, assim como nós e muitos milhões de crianças ao longo das últimas décadas cresceram a brincar com os famosos blocos de construção dinamarqueses.

Com o tremendo sucesso dos jogos da Lego desenvolvidos pela TT Games (dos quais, como sabem, eu e o meu filho somos fãs acérrimos) sempre ficou a dúvida: “como é que a TT Games não faz um jogo a rivalizar com o Minecraft?”. Era o caminho e o passo expectáveis perante a força dos blocos da Lego. E depois de mais de um ano em Early Access, eis que foi lançado há algumas semanas a resposta da Lego a Minecraft: Lego Worlds.

Depois de ter jogado todos os jogos da TT Games sob a franquia da Lego, é fácil de perceber que o apelo de todos os jogos é o equilíbrio curioso entre vários factores. O primeiro de todos é a utilização das franquias contratualizadas e a forma como são adaptadas a um jogo do género. A segunda é a fórmula de puzzle de cada mundo/nível levando ao terceiro que é a diversidade de personagens, habilidades e veículos. O coleccionismo é uma consequência deste acto, e vem colocar a cereja no topo do bolo que tem como dois últimos factores de doçura a abordagem familiar e o humor.

Lego Worlds não se limita a ser uma inspiração em Minecraft mas também fica a meio-caminho de muitos dos ingredientes que fazem um jogo da Lego um bom jogo.

Lego Worlds tem aspirações (ou transpirações) de No Man’s Sky: planetas processualmente gerados, com muitas exploração a fazer. E aqui, ao contrário do “infame” jogo que fez correr muitas lágrimas em 2016, o acto de explorar remete-se ao facto de que podemos “recolher” peças de Lego pelos novos mundos, catalogando-as e podendo reutilizá-las nas nossas construções. Esta ideia de podermos passear pelos mundos a recolher peças de Lego fez-me lembrar a postura do Coleccionador da Marvel (que quem apenas conhece os filmes da MCU é o personagem interpretado por Benicio del Toro), em que andamos a recolher animais, veículos, peças, numa amostragem que nos lembra as muitas peças que nós mesmo tivemos desde a nossa infância.

O enredo de Lego Worlds é simples, e vai buscar muito do myhtos desenvolvido nos filmes e em Lego Dimensions, e no qual desempenhamos o papel de alguém que quer tornar-se um Master Builder. Com a nossa capacidade de terra-formação e de alterações de mundos (trazidas pelas muitas ferramentas da nossa “arma”) há um feel de desempenhar o papel de “Deus” na forma como rapidamente alteramos a paisagem. O problema de estar tão habituado aos jogos de Lego é que as necessidades de IUX deste Lego Worlds conduziram apenas a uma complicação com as ferramentas previamente usadas e em que o interface em círculo deixa imenso a desejar na facilidade de acesso.

Toda a parte sandbox de construção é boa, mas não tão divertida como os meus sonhos mais loucos sobre uma espécie de Minecraft da Lego. Apesar de divertida a forma como usamos o catálogo de descobertas, na maioria das vezes as ferramentas de construção soam a pouco mais do que um world editor glorificado. É curioso como passei tanto tempo a imaginar que este seria o ambiente perfeito para a Lego, e depois da TT Games me “fazer” involuntariamente a vontade, e de achar que todas as componentes de construção estão muito bem-conseguidas, diria que lhe falta algo. Possivelmente o somatório dos factores que enunciei lá em cima que justificam o sucesso dos jogos da Lego e que se podem resumir a “alma”.

Esta “alma” reside essencialmente no quão genialmente utilizadas são os temas e as franquias (próprias da Lego ou não) e o quão divertidas são as muitas horas de destruir cenários e construções, coleccionar studs e personagens, e resolver puzzles e missões. Criar um mundo aberto com todas as mecânicas de Lego parece uma boa ideia mecanicamente falando (e passando o pleonasmo) mas falta-lhe a aura juvenil e descontraída que serve de alicerce a todos os jogos.

Lego Worlds é um jogo interessante e possui excelentes ferramentas e mecânicas de construção com Lego, mas falta-lhe muito do que nos deixa dezenas de horas agarrados aos restantes jogos da Lego. Falta-lhe o esgar de humor pelas piadas subtis (e outras muito pouco) e por quão inventivas conseguem ser algumas das soluções para os puzzles/problemas. As quests de Lego Worlds quase conseguem chegar lá, mas ficam a alguma distância de o conseguirem.

Aproximadamente os mesmos anos-luz entre o quão completos e divertidos são todos os restantes jogos da Lego e este Worlds.