O relativo sucesso de Styx – Master of Shadows deixava antever que os Cyanide Studios regressariam mais cedo ou mais tarde a este universo cujas hostilidades foram abertas com Of Orcs and Men. A demonstração de muito potencial falhado dessa prequela prometia um “ajustar de contas” mais sério, mais conciso e coeso com todas as oportunidades perdidas.

O mercado dos jogos furtivos mudou muito na última década, e a razão primordial para essa mudança reside no sucesso comercial colossal de Assassin’s CreedLentamente os caminhos silenciosamente trilhados por Thief e muitos outros jogos do género (como o saudoso Tenchu) deram lugar à acção, em que a palavra stealth enquanto género parece ter ganho uma prótese definitiva de nome action e do qual não se consegue separar de forma alguma.

Para a realidade do mercado actual diria que é algo arriscado para qualquer companhia apostar num jogo verdadeiramente de stealth. Este tipo de jogos têm um ritmo muito específico, muito compassado, uma dificuldade elevada que não se coaduna com o temor petrificante do mercado em frustrar os jogadores (salvo as devidas excepções). Action stealth acaba por responder de melhor forma a este “nicho”, permitindo uma quasi-ilusão de furtividade aos jogadores que anseiam por jogar a algo do género mas não têm nem a paciência nem o engenho para o suportar.

Ao primeiro impacto Styx – Shards of Darkness é uma tremenda evolução técnica em relação ao seu antecessor. Se o primeiro jogo deixava descortinar a sua “humilde” origem, com as mãos agrilhoadas a um síndrome de Ícaro dos AA, este segundo jogo fez um total step up e consegue facilmente aproximar-se do segmento de mercado que quer alcançar: o do AAA.

Para isto em muito ajuda a mudança de direcção artística. Se a construção visual do mundo é coerente com o mundo de fantasia deste universo pertencente à Focus Home, a decisão de tornar o primeiro jogo o mais escuro e tenebroso possível com a paleta de cor a reduzir-se aos ocres, castanhos e pretos, acabava por ter o funcionamento inverso ao esperado e a deixar passar nas frestas das persianas as suas próprias limitações técnicas e artísticas.  

Styx – Shards of Darkness é cromática e artisticamente mais brilhante que Master of Shadows e isso ajuda a provar a qualquer instante o investimento artístico e económico em elevar a construção gráfica deste jogo para um nível nunca antes visto em jogos dos Cyanide Studios.

O protagonista Styx continua a ser nesta sequela o melhor de todo o jogo. É-me difícil sequer de apelidá-lo de anti-herói visto que as suas intenções e motivações nem sequer são bem-alinhadas, e não fosse quase todos os antagonistas (especialmente os humanos) serem seres horríveis, e facilmente poderíamos apelidá-lo de “vilão”. Numa era em que o anti-herói começa a ser quase overplayed, ter um personagem como Styx que parece estar a cruzar a fina barreira entre o anti-heroísmo e a vilania é uma bênção criativa.

Infelizmente Styx é o único personagem bem escrito e bem interpretado, sendo o seu voice acting sublime. Ou os argumentistas de Styx – Shards of Darkness se esforçaram para que todo o elenco secundário e antagónico fosse detestável ao ponto de risível, ou há uma décalage demasiado abrupta entre o investimento de desenvolvimento do protagonista e de tudo o resto, cuja qualidade os remete pouco acima de mero cenário.

Styx não é o melhor do jogo apenas pela sua construção meta-gaming, mas também pelas suas mecânicas que vêm dar um novo fulgor a um género que usualmente precisa de recorrer a abordagens nas franjas do realismo.

O acesso a uma miríade de gadgets goblin para nos “facilitar” a tarefa de nos mantermos na escuridão invisíveis é grande, mas são os poderes místicos de Styx que fazem toda a diferença. Entre vomitar um homúnculo que podemos controlar para despistar os inimigos, passando pela possibilidade de vomitarmos veneno para a comida (levando assim a uma das formas de assassinato clássica), o arsenal de poderes e habilidades de Styx transformam-no num elemento único no género. E só agora percebi o facto de que grande parte dos seus poderes gira em torno da regurgitação. Classy hein?

Como goblin Styx é extremamente frágil, o que significa que temos de jogar este Styx – Shards of Darkness como o derradeiro stealth game da actualidade. O combate tem de ser evitado a todo custo, não só porque as nossas capacidades combativas se limitam ao muito difícil acto de deflectir ataques, como pelo pormenor de que é possível  que morramos com um hit dos adversários. Se combater um soldado isolado é uma tarefa quase impossível e muito provavelmente vai levar-nos à morte, ser interceptado por mais do que um é a certeza de encontrarmos os (longos) ecrãs de loading após o Game Over.

Styx – Shards of Darkness é muito difícil, mesmo nas dificuldades médias. O design de alguns níveis chega a ser algo cruel, e o número de vezes que morremos é muito elevada. Se parte destas mortes se deve à nossa intempestividade e falta de paciência, e mesmo falta de cuidado em não ser visto ou a eliminar os corpos das nossas vítimas de mortes silenciosas, há muitas outras que se devem a algo herdado do jogo original: a falta de precisão nos controlos, especialmente no salto. Tantas vezes morremos por saltos aparentemente fáceis mas que nos estatelamos no abismo, que quase pensamos estar num hardcore platformer com imprecisões de salto propositados para nos frustrar. Mas não, é apenas um dos factores que não foram corrigidos do jogo original, e que continuam aqui em todo o seu “esplendor”.

Styx – Shards of Darkness é um bom exemplo da pureza de um género que foi lentamente sendo alterado, e onde a furtividade deu lugar a acção furtiva. Ao contrário do que o mercado e a série Assassin’s Creed nos habituou, em Styx – Shards of Darkness temos mesmo de nos mover nas sombras, porque apesar da agilidade e poderes místicos, Styx é tão frágil e vulnerável quanto uma criança pequena. O que cimenta ainda mais a verdadeira componente stealth, aquela que tantas horas de frustração nos deu, mas cujo nível de desafio era simultaneamente um grande cenoura dourada à nossa frente.

É esse desafio que Styx – Shards of Darkness traz para o mercado. E não sendo um jogo exímio e tendo até bastantes falhas, acredito cada vez mais que os Cyanide Studios estão a aprender em cada produção, e que o próximo jogo de Styx venha a ser ainda melhor. Marcamos encontro para daqui a 2 anos?