Há algumas semanas decidi afirmar peremptoriamente que Earthlock era o melhor JRPG que tinha jogado no início deste ano, e mantenho a minha posição. A grande diferença reside nas surpresas que o mercado nos vai dando, e a THQ Nordic trouxe-nas um belo presente, embrulhado num papel de extreme 1990s e um grande JRPG ocidental chamado Battle Chaseres Nightwar.

No auge do mercado de comics norte-americano, e com a saída de muitos dos grandes nomes da editora para a Image, houve um artista luso-descendente que acabou por definir a direcção que o mercado deveria seguir no final da década de 1990. Joe Madureira, o filho de portugueses que começou a trabalhar na série de X-Men como substituto, acabou por chamar a atenção de leitores e editores. O seu traço amplamente influenciado pela cultura manga, ocidentalizado para o mercado norte-americano tornava-o um dos artistas mais distintos numa fase em que a dita perda de autores da Marvel para a Image deixou um grande vazio artístico nas suas produções.

Ser-me-ia impossível não reconhecer a tamanha qualidade que Madureira tem e de perceber a sua imensa evolução e solidificação artística desde a primeira história que li dele (acho que uma solo story com o Gambit e a Storm a lutarem contra a Phalanx) até a Battle Chasers, que ainda hoje considero ser a sua magnum opus.

Na altura como aspirante a artista, e até hoje como Professor de Ilustração, é fácil reconhecer o verdadeiro marco gráfico de Madureira, mas a título pessoal o seu traço nunca me influenciou, como fez a milhares de autores da minha geração pelo mundo fora, influência essa que até na direcção artística de WoW pode ser sentida. Nunca senti essa influência porque como sempre segui uma linha clássica, à época eram autores como Mark Bagley, Jim Lee, Whilce Portacio, John Romita Jr, John Byrne, George Pérez e os eternos Neal Adams e John Buscema quem mais marcou o meu traço. Joe Madureira anunciava uma nouvelle vague mais ligada à influência nipónica. E se lhe valorizo a mudança de paradigma, quase que o tenho de “recriminar” pela influência que se sentiu em Chris Bachalo, um dos meus jovens desenhadores (da altura) favoritos, e que acabou por ceder a esta niponização do seu traço. Para pior, no meu entender.

Mas falemos de Battle Chasers, a série que Madureira lançou sem as correntes da Marvel. Apesar de ter durado apenas nove revistas e uma prequela, Battle Chasers demonstra toda a qualidade do traço e da imaginação de Madureira, numa história steampunk com magia que denota a sua grande influência no mercado dos videojogos.

Madureira acabaria por terminar (por algum tempo) a sua carreira na banda-desenhada para se dedicar exclusivamente aos videojogos.

Para além de algumas incursões enquanto artista e game designer, foi a série Darksiders quem demonstrou a totalidade da sua criatividade e da sua criação de mundos, deixando para longe a ânsia de muitos por poderem ver a história de Battle Chasers ser terminada.

Chegamos então a 2017, dezasseis anos depois do cancelamento de Battle Chasers, e eis que vemos chegar ao mercado dos videojogos a continuação da história mas num media completamente diferente, e desta vez a continuar a história de Gully e Garrett nos videojogos.

Battle Chasers Nightwar chegou recentemente ainda em Early Access e em poucos minutos fez-me pegar na afirmação sobre Earthlock e guardá-la no bolso. Começando pela direcção artística, Battle Chasers Nightwar mostra o expoente máximo da qualidade de Madureira enquanto artista e demonstra que os videojogos são provavelmente o media onde a sua arte é melhor aproveitada.

A transposição do traço, dos concepts e do ambiente de Madureira e Battle Chasers foi exímia, e a tecnologia actual e o tratamento de texturas a relembrar pinceladas manuais nos personagens e cenários recriam o ambiente dos livros na perfeição. As animações de ataque e movimentação dos protagonistas e inimigos, associadas às “cutscenes” de ataques especiais, elevam a sua qualidade para outro patamar que grande parte do mercado de JRPGs não consegue atingir.

Mecanicamente Battle Chasers Nightwar é um JRPG clássico, sem inventar quase nada, mantendo a tradição da geração da SNES trazida para os dias de hoje. Com a implementação de pequenos tweaks à fórmula do combate por turnos, cada ataque básico adiciona pontos numa barra de Overcharge, que funciona simultaneamente como compensação de mana e de boost a ataques especiais.

Com algum dungeon crawling metido à mistura, parece-me que é o combate e as suas pequenas nuances quem realmente brilha do ponto de vista mecânico. A gestão que temos de fazer da ordem de iniciativa, no qual escolhermos uma acção que não a defesa ou ataque básico nos empurra para a fila de espera para agir, é uma adição à habitual acção-instantânea de outros jogos. Com muitas condições, buffs e debuffs à mistura, o combate é clássico mas possui uma miríade de complexidades que são salutares a um género que muitas vezes parece ter pouco para onde diversificar.

Sendo uma espécie de continuação da aclamada história de comics que ficou, tal como o nome da editora à qual pertencia, num cliffhanger, Battle Chasers Nightwar é já nesta fase Alpha uma das grandes promessas do mercado dos JRPGs deste ano. Ainda que, tal e qual como Earthlock, seja um tremendo JRPG produzido no Ocidente.