Nem uma palavra, e no meu caso, nem um som. Não sei se é algum bug no meu iPad 4 mas Vignettes não tem qualquer música e/ou efeito sonoro a acompanhá-lo. Não pesquisei nem perguntei se seria erro, mas também não quero saber. Para ser sincero este silêncio total só ajuda a dar a verdadeira voz que Vignettes merece, e às muitas histórias não escritas mas que eu fui internamente escrevendo à medida que o jogo se tem espraiado aos meus dedos.

Já aqui tive várias situações em que me era quase impossível explicar um jogo, e em que o ónus do seu usufruto e compreensão recaía quase exclusivamente por jogá-lo, na primeira pessoa, sem intermediários nem explicações repassadas.

Vignettes é assim:

Um puzzle game, onde tudo é posto em perspectiva literalmente. Temos um baú, e ao rodá-lo percebemos que a sua decoração faz um olho. Rodamo-lo e desse olho surge outra parede do baú. Até que de dentro desse baú surge um telefone de disco. Rodamo-lo, até ao ponto em que a sua forma é apenas uma circunferência, e quando voltamos a rodar já não é um telefone que estamos a rodar, mas uma taça.

É nesta sucessão de encontros e desencontros de formas, de objectos que dão lugar a outros pelo engano e mistificação da perspectiva que se desenrola Vignettes. Nada nos é dito. Aliás, a única palavra em todo o jogo é o título, que temos de rodar e que em vista de perfil se transforma na parede lateral do baú, dando origem a esta matrioska de formas (que incluem literalmente uma matrioska) que vão de uma certa forma contando histórias.

Ou pelo menos eu quero lê-las como tal. O nosso objectivo é ir encontrando todas as formas possíveis e completando fotografias que estão em molduras com o seu conteúdo não revelado. E à medida que vamos avançando e rodando formas para revelar outras, há histórias subtis que vão sendo contadas, há elementos que descortinamos e que vão fazer parte de um outro objecto lá atrás, sejam os binóculos que mostram dois astronautas microscópicos a aterrar o seu foguetão num planeta ou um gato que sai de dentro de uma jarra.

Mas como disse, é quase impossível explicar sem estragar a maravilhosa experiência que é Vignettes, que brilha onde pouco parece fazer sentido e nada é dito. Por 2,99€ parece-me ter encontrado o meu jogo mobile favorito até este momento de 2017.

O brilhantismo minimalista de Vignettes consegue demonstrar dois lados exímios e perfeitamente depurados: o desafio mecânico do puzzle e a narrativa interpretativa dada a cada moldura, a cada objecto e a cada fotografia que se vão revelando.