Nasceu Zelda Lagertha Megatron, primeira do seu nome, Senhora da Chama Vermelha, Sacerdotisa de Greyskull, Rainha de Thundera, Prime de Cybertron, Grande Almirante da Armada do Império Galáctico e Aristocra da Chiss Ascendancy, Pink Ranger, Imperatriz de Hyrule, Protetora do Norte e Herdeira de Dorne, Botsmaster, Defensora de Arus, Time Lady de Gallifrey, Cobra Commander Master of Orion, e acima disso tudo, minha filha.

Agora que sou pai, algumas coisas na minha vida vão mudar, uma delas, pelo menos nos próximos tempos serão as minhas contribuições aqui no Rubber Chicken que devem descer um pouco a sua quantidade, outras prioridades se levantam e pelo menos até ganhar bem o ritmo da paternidade e “adultar” a 100% no geral imagino que vai ser complicado jogar e escrever. Ou então até vou escrever mais devido às já muito ameaçadas noites sem dormir. Já que vou estar acordado, pode ser que dê e até tenho uma lista de jogos que só é preciso o rato na mão direita e posso jogar com ela no colo…

Mas isso nem sequer é o tema principal deste texto, o tema deste PopCorner é o feminismo que goza de tanta má reputação maioritariamente devido a extremismos. Ou melhor, não é o feminismo mas a figura feminina no mundo em geral, especialmente nos videojogos e cultura pop.

Desde que soube que ia ter uma filha que comecei a olhar para estes mundos (e para o mundo) com outros olhos, e a pensar nos exemplos que ele dará à minha filha nos próximos anos que ela possa usar como modelo do que quiser alcançar. Aqui, percebi logo qual foi o meu erro principal. Porque só comecei a pensar nisto porque ia ter uma filha, e não antes? A minha filha é especial? Para mim é óbvio que sim, mas porque é que eu nunca me preocupei com isto antes?

A resposta é egoísmo puro.

Podia ser hipócrita como a maior parte das pessoas e dizer que me preocupava com isso antes, mas na verdade nunca o fiz e foi mesmo egoísmo porque como nunca me afectou de forma directa ou indirectamente como é o caso actual, se as mulheres tinham bons exemplos na cultura pop e como eram tratadas, simplesmente não pensava nisso. Hoje, quando penso na minha pequenita, e em todos os obstáculos que ela terá pela frente preocupo-me. Não me preocupo em demasia, sei que eu e mãe dela faremos o melhor possível para ela, mas sem exageros porque há que deixá-la dar umas cabeçadas na parede para aprender. Erros tornam-nos humildes. Mas mesmo assim preocupa-me a maneira como as mulheres são constantemente mostradas ao mundo.

Eu não apoio aquele feminismo cego que muitas e muitos defendem nesta altura em que tudo o que se diz, faz ou pensa é ofensivo para alguém de uma maneira ou de outra. Até porque não concordo com alguns pontos que são defendidos por essas “correntes” nem nenhuma forma de extremismo venha ela embandeirada em que forma for. O que eu apoio é igualdade. Paridade numa cultura que é usufruída por mulheres e homens a uma escala de 50/50 mas é apontada ainda hoje para homens a uma escala de 90/10.

Um dos gatilhos que me fez escrever este texto foi um comentário (que depois foi apagado) num artigo do Ricardo para O Observador que dizia algo como “mais um jogo com uma gaja mamalhuda, já não se fazem jogos para gajos?

Primeiro, vão reler aquela frase e pensem na voz de bronco com que o fizeram na vossa mente. Não era a vossa pois não?

Bam! Magia!

Segundo, durante anos, décadas até, as personagens de acção foram sempre homens, lá porque nos últimos 5 a 10 anos há algumas personagens femininas que tomaram algum protagonismo é razão para criticar? Eu quero que a minha filha cresça num mundo em que há mulheres que ela veja como exemplo. Felizmente das reais, ela tem bons exemplos de mulheres fortes que não aturam merdas, a mãe, as avós, as tias, de sangue e não só como a madrinha, há uma panóplia de mulheres em que ela se pode inspirar, mas o problema é que isso só não chega.

Eu “brinco” muitas vezes quando digo que quando era miúdo e sonhava ser o Green Arrow ou o Lex Luthor, ou outro personagem qualquer e que aquilo não eram fantasias, para mim eram opções de carreira tão válidas na altura como ser bombeiro, astronauta ou funcionário público, e hoje em dia talvez ainda mais válidas. Mas isso eram os meus exemplos, porque tinha vários e variados (há aqui um ponto a focar), mas o que é que elas, as raparigas, têm como padrão?

Logo de início se gostarem ou quiserem usar um exemplo masculino, ou quiserem fazer algo que é cultural, e estupidamente associado ao universo masculino, por mais que gostem, por mais talentosas que sejam nisso, ainda hoje em pleno 2017 são desviadas para o caminho “correcto”. Rapazes têm que fazer coisas de rapaz e raparigas de rapariga, e isso vê-se bem nas actividades e brinquedos e tudo mais que continuam a ser orientadas para tarefas “femininas” como limpar a casa, cozinhar e essas belas “brincadeiras”… basta passar pela secção de brinquedos de qualquer loja para ver as diferenças. Se olharmos para as opções que existem os homens têm não só mais opções como podem ter opções principais, enquanto para as mulheres são sempre mais limitadas em número e as posições são sempre de apoio. Ainda é errado uma mulher ter um modelo masculino independente do que quiser fazer, e um homem ter um modelo feminino.

O mesmo passa-se com a ficção em geral (seja em filmes, livros ou jogos) e a cultura pop onde as mulheres são retratadas no geral como personagens secundárias, objectos de interesse sexual ou como um adorno geral para “embelezar” a história. Quando, em raras ocasiões são utilizadas como personagem principal, a sua busca é pura e exclusivamente o amor, o romance, e quando não é, acaba por ser o que se sobrepõe a tudo mais.

Façam este exercício se quiserem: listem filmes de acção e contem quantos têm uma mulher como personagem principal. Depois listem comédias românticas, e contem quantas têm um homem como protagonista. Não aceito a justificação física, que um homem é mais fisicamente capaz que uma mulher em certos campos. Há milhares de anos, ou até centenas, sim eram, hoje em dia, com os avanços tecnológicos os nossos corpos adaptaram-se e estão quase taco a taco. Na verdade conheço muitas mulheres que conseguem bater homens em qualquer actividade física.

O rácio de 90/10 que usei alguns parágrafos acima não foi por acaso, é um número lançado por alto mas não deve estar longe da verdade, e acredito que o problema vem da nossa infância e de como isso ainda modela a nossa visão das coisas. Nós, que crescemos nos 80/90 do século passado, temos grandes recordações de séries, filmes, livros ou seja o que for e se olharmos bem para a quantidade e o papel das mulheres nesses universos, vamos perceber que era mínimo. Vamos reservar para já a She-ra e os My Little Poney porque esses eram apontados maioritariamente para o público feminino, mas pensemos nos outros. He-Man and the Masters of the Universe, quantas mulheres existiam? Três, Teela, Evil-Lyn, e a Feiticeira do Castelo de Greyskull que nem era digna de nome próprio. Thundercats? Três, Cheetara, Pumyra e Wilykit. Transformers? Arcee, e nem me lembro dela aparecer antes do filme. Teenage Mutant Ninja Turtles? Uma, April O’Neill. Captain Power and Soldiers of the Future? Uma, Corporal Jennifer “Pilot” Chase que não só tinha a patente mais baixa dos cinco soldados principais com também morre no final da primeira temporada. The Centurions? Uma, a Amber que andava lá para o satélite a enviar armas e fatos aos moços. G.I. Joe? Nem vou entrar por aqui… Os Smurfs? Nas centenas de Smurfs que existiam naquela aldeia? Uma.

Afastando o zoom, voltamos ao universo das séries em geral. Qual era o rácio de séries de animação apontadas para um público masculino exclusivamente, ou para um público misto à primeira vista mas subliminarmente ou até explicitamente masculino em oposição a séries maioritariamente femininas? Pouco mais que as duas que mencionei acima? Nós os adultos de hoje, que comandamos de certo modo a indústria, porque somos o seu público-alvo ou porque trabalhamos nela, somos condicionados a pensar que esta divisão é normal e justa, porque no fundo sempre foi assim e vamos propagando este erro, repetindo-o constantemente quando minimizamos a importância e papel das mulheres, em pequenos gestos, em pequenas atitudes, colocando-as de lado no que é importante. É assim tão estranho que nos jogos, quando aparece uma protagonista o público geral se oponha?

Basta ver que a série de animação Young Justice, tinha um equipa consideravelmente equilibrada e tinha uma base de fãs dividida a 50/50 em termos de género mas foi cancelada por isso mesmo, porque metade de quem via eram raparigas e “raparigas não compram bonecos”.

Existem já algumas excepções mas continuam a ser poucas, e estranhamente lideradas pela Disney, a mesma que nos deu a imagem da princesa que tem ser sempre salva por um príncipe heróico, já nos dá a ver histórias de princesas cujo amor entre irmãs é mais forte que o “romântico” ou até uma Merida que supera qualquer homem nos seus campos habituais. Mesmo assim há e vai continuar a existir uma falha grande no que diz respeito ao número de mulheres e no seu papel na ficção, e é por isso que faço dois pedidos simples, o primeiro é ajudarem-me a fazer uma lista, que vou começar aqui onde estarão mulheres, da ficção, dos jogos, da cultura pop em geral que não caem nos parâmetros habituais da mulher servil (em que sentido for) tudo o que gostam de ver como exemplo para vocês mesmos mas personificado numa mulher. O segundo, e mais difícil é que não cometam o mesmo erro que eu, e não pensem nisto só quando tiverem uma mulher na vossa vida que vos faça pensar nos problemas delas.

Felizmente há, ainda poucas, excepções portanto vamos à lista:

Legend of Zelda, já tinha dito uma vez que é dos universos com algumas das mulheres mais fortes dos videojogos, mas se não quiserem ler o artigo

  • Zelda

  • Impa

  • Ruto

  • Malon

  • Nabooru

  • Midna

Tomb Raider

  • Lara Croft (ambas as versões, cada uma à sua maneira)

Metroid

  • Samus Aran

Doctor Who

  • Donna Noble

  • Amy Pond

  • Missy

  • Romana

  • Sarah Jane Smith

Justice League /Young Justice

  • Artemis

  • Cheshire

  • Miss Martian

  • Black Canary

  • Wonder Woman

The Witcher

  • Yennefer

  • Triss

  • Ciri

(Até podia debater estas duas porque quem conhece as personagens dos jogos apenas as vê do ponto de vista de Geralt, leiam os livros e depois conversamos)

Transformers

  • Arcee

  • Nautila

  • Windblade

  • The Mistress of Flame

Penny Dreadful

  • Vanessa Ives

Kill Bill

  • The Bride

  • O’ren Ishii

  • Elle Driver

Star Wars (Disney)

  • Leia Organa

  • Rey

  • Hera Syndulla

  • Sabine Wren

  • Ahsoka Tano

Quem quiser acrescentar exemplos aqui, força nisso, eu agradeço desde já.