Nem vou falar da confirmada cedência da Nintendo aos rigores do mercado, das atitudes dos “outros” e que ela própria integrou no seu status quo. Vicissitudes da vida.

A Nintendo já foi o pseudo-hipster que fica a ouvir música que ninguém conhece encostado ao último pavilhão da escola no recreio. A Nintendo já foi a minha prepotência, que durante anos refutei imensas coisas do qual toda a gente gostava e que falava, e que eu não alinhava para não seguir o rebanho. Foi a Buffy the Vampire Slayer, Friends, Harry Potter e Twilight, 4 franquias com as quais tive contacto quando já ninguém falava delas, apenas para perceber que cada uma dentro do seu espectro eram obras que eu deveria ter contactado mais cedo.

Estava a mentir em relação ao Twilight, posso ser prepotente mas não tenho mau-gosto.

A Nintendo é como eu. Quando todos os “miúdos fixes” tinham descoberto as maravilhas da pulhice dos DLCs e Season Passes de Dia 1, andava a Nintendo a demarcar-se de todos, a mostrar que era diferente, e que não queria cá grandes misturas com os demais. Uma série de anos depois a Nintendo identificou o seu hipsterismo, e descobriu o agradável mundo novo dos DLCs.

Mas assim como eu quando descobri extemporaneamente Friends e Harry Potter passei a barreira do “conhecer com atraso” (temporal, não mental) para ser “mais fã do que os fãs que o deixaram de ser” a Nintendo não se limitou a abraçar o conteúdo pago adicional, pegou nesse conceito e levou-o para outra zona: aquele cantinho escuro onde um Season Pass é tão ou mais caro quanto o jogo base.

Mas a Nintendo até foi simpática, comprar o Season Pass para Fire Emblem Echoes fica cerca de 30% mais barato do que comprar separadamente os 22 conteúdos adicionais previstos para vocês” dirão os meus congéneres nintendistas mas duma ala interna ideologicamente distinta da minha, na grande tranche do hemiciclo da vergonha onde se sentam os amorfos e os acríticos.

É verdade” – respondo eu – “E ainda que a revelação dos DLCs coincida com o lançamento ocidental do jogo que já conta com largos meses no Japão, não invalida que seja estranho para um jogador ter o Season Pass anunciado de imediato, tendo em conta, por exemplo, que com as devidas conversões o jogo base custa perto de mais 5 euros do que mercado Norte-Americano”.

Em última instância a decisão é de cada um, e cada qual sabe onde gasta o seu dinheiro. Com tantos jogos que possuo no Steam, foi ironicamente em Fire Emblem Awakenings que comprei DLCs pela primeira vez, por gostar tanto da série e querer ter acesso a todo o conteúdo possível e imaginário. O mesmo passar-se-ia com este Fire Emblem Echoes se não nos tivesse sido disponibilizado o conteúdo pela própria Nintendo.

Eu sou parte do problema vigente e agora é tarde para mudar o que seja porque tudo isto já está entranhado entre nós. DLCs, Season Passes amplamente overpriced, conteúdo notoriamente estripado do jogo original para ser vendido às partes, são tudo normas que fazem parte do status quo do mercado. Os Manic Streets Preachers diziam “if you tolerate this, then your children will be next” e tinham razão.

Mas esse barco já zarpou, e o espaço para refutar estas práticas comerciais já não existe, ou está reduzido a uma exasperação vazia.

A Nintendo era o último reduto de resistência a esta lógica de selvajaria capitalista. Ela, e nós com ela, fomos cedendo aos poucos, aceitando este e aquele conteúdo adicionais até que chegámos ao ponto em que um Fire Emblem é lançado quase em simultâneo com a possibilidade de compra do seu Season Pass. Ao mesmo preço. O Season Pass é quase 5€ mais caros se formos Norte-Americanos, o que também não abona, visto que o jogo base custa quase menos 5€ em grande parte dos territórios.

Há dois grandes problemas nesta lógica de mercado. O primeiro centra-se na consciência do valor de algo versus o merecido investimento colocado nele. Os 45€ de Fire Emblem Echoes justificam perfeitamente o excelente jogo que é, mas por outro lado a empresa equiparar economicamente o conteúdo adicional, que proporcionalmente não chega sequer perto daquilo que é o conteúdo base quase que chega a ser desprestigiante para o objecto original. O segundo é um quase Síndrome de Estocolmo para com o Season Pass. Fire Emblem Echoes é, e repito pela segunda vez neste mesmo parágrafo, um excelente jogo, e mais um jogo obrigatório numa consola cujo rol de jogos imprescindíveis é imensa, tornando por arrasto a compra dos conteúdos adicionais imperativa, porque queremos conhecer e experienciar tudo aquilo que um jogo tão bom tem para oferecer.

A única explicação, se perguntarem ao outro Rapaz-Ventoinha da Nintendo aqui do burgo, é algo que ele costuma aplicar à gastronomia. Para ele um prato que leve rúcula passa instantaneamente a gourmet e a ver o seu preço aumentado, just because. A Season Pass de Fire Emblem Echoes decerto que leva rúcula para justificar o preço, e ser o equivalente gastronómico de uma sobremesa custar tanto quando a refeição toda.