À sombra das incomodativas reviews, apresento mais um artigo opinião fruto da minha culpabilidade perante os meus imperativos de “auteur” e de uma súbita vontade masoquista de me contradizer. Desta vez quero falar da Nintendo Switch e mais especificamente da minha relação com a consola. Aviso desde já que não se chega à conclusão que os videojogos me curaram de uma patologia qualquer.

Quando a Nintendo Switch foi apresentada mantive uma postura perfeitamente sensata perante os elementos apresentados: uma proposta pobre, a morte das consolas de sala made in Nintendo disfarçada por uma opção falsamente híbrida e um catálogo de jogos longe de corresponder ao alegado apoio third party. Todas estas afirmações continuam a ser verdade passados 2 meses com a consola sempre acautelada na minha mochila de “adulto”, sempre preparada para me fazer companhia nos momentos onde o mundo não espera mais de mim do que simplesmente esperar.

Esta contradição coloca-me duas possibilidades: a discreta genialidade do dispositivo está a ser vivenciada com o mesmo entusiasmo pelos outros utilizadores ou não passo de uma ave rara, como aquele tipo que terá ficado satisfeito por ter jogado Pandemonium! no N-Gage… Pelo menos um terá que existir.

Vejamos.

A minha vida mudou

Longe vão os dias onde as minhas tardes de quarta-feira se resumiam ao grind num JRPG qualquer. Sentado no meu quarto, cercado por cartazes de anime babes (paradigma nerd/viril), o olhar absorvido pelo meu pequeno televisor Phillips prateado e sem redes sociais para me desviar da minha obsessão pelo lvl 99. A vida parecia otimizar qualquer dispositivo lançado no mercado para o meu quotidiano. Não sendo um adulto, sou ainda assim um tipo de compromissos diversos num mundo onde a cultura se consome de muitas maneiras. Esta opulência de escolha, associada à minha natureza de ser social por compromisso de sobrevivência, reduziram drasticamente os momentos onde o mundo me autoriza um tête a tête com a minha consola.

Não quero dizer com isso que o gaming “sedentário” deixa de fazer sentido depois de 30 primaveras pois autorizar-se o luxo de apreciar um jogo nas melhores condições é um prazer incomparável. O que a Switch traz é a possibilidade de otimizar as horas mortas através de uma experiência de jogo moderna e desafiante. Nunca consegui aderir aos pequenos jogos mobile que fazem a felicidade dos “habitués” dos transportes públicos. Nem sequer dei muito uso às consolas portáteis que fui comprando, sendo que fora um ou outro jogo, o contraste geracional os posiciona como um segmento à parte, mais rudimentares e que dificilmente compete com o que temos em casa.

A Switch fez-me perceber o nível de estagnação da nossa indústria. Andamos há 10 anos a cavalgar os mesmos registos de jogos, melhoramos os gráficos e competimos para saber quem acrescenta mais features para dar a ilusão de complexidade. Entre GTA III e GTA V passaram 12 anos o que é equivalente à distância que separam o primeiro Super Mario e Tomb Raider II… Estão a perceber a ideia?

A Nintendo não faz muito mais do que dissimular a morte das suas plataformas de sala através da evolução natural do seu segmento portátil. Liga-se o engenho à TV: Consola de sala. Problema resolvido. A estagnação do formato sala permite que uma consola sem grandes ambições possa aproximar-se das suas vizinhas não portáteis. Noutros tempos tal coisa exigiria um salto tecnológico gigante.

Ter um dispositivo móvel capaz de me proporcionar jogos dentro dos meus padrões habituais trouxe-me um novo olhar sobre as vantagens da portabilidade. Revelou-me que o meu sedentarismo não é imóvel e passa por rotinas que não se resumem a ficar em casa. Apesar de ter jogado Switch (Zelda) quase diariamente desde que a tenho só a liguei à TV três vezes. Uma delas para configurar a consola, outra por curiosidade e uma por sentir uma certa culpabilidade em não usufruir da funcionalidade. Não só a consola padece de uma inferioridade gráfica mais visível no grande ecrã como não resiste a um raciocínio duvidoso mas que convence: já que estou aqui frente à TV mais vale ligar a PS4. A Minha Switch reina onde não há competição. Quando após um almoço rápido ainda tenho 35 minutos de liberdade para me dedicar a um dos meus passatempos favoritos. Quando nas últimas horas do dia consolo-me do desperdício de uma noite de sono com uma breve escapadela num mundo onde a interação faz-se com botões e analógicos. São pequenos pedaços de quotidiano que, quando colocados juntos, representam mais horas de gameplay dos que as passadas frente ao televisor.

Zelda encaixa-se perfeitamente naquilo que de melhor pode trazer a consola. Ao colocar um universo aberto com imenso por explorar e uma gestão das saves particularmente flexível, as pequenas quests e momentos de exploração que podem não resultar em nada já não nos parecem um desperdício de tempo. Afinal de contas era isto ou mais uns deslizes no Facebook.  Nesse sentido estou expectante de ter mais informação sobre o Skyrim, um jogo que abandonei na altura rapidamente perante a tarefa colossal que tinha pela frente. Tendo em conta a popularidades dos sandboxes terei talvez aqui a minha nova plataforma preferencial para o registo… Isso claro se alguém se lembrar de os adaptar… Não estou otimista.

Passados estes meses os anúncios de novos jogos têm sido praticamente inexistentes. Jogos já lançados ou com data anunciada para outras plataformas não vão para além da intencionalidade. O Próprio Skyrim aqui mencionado, que é apesar de tudo uma adaptação, ainda não assumiu nenhuma data até ao ponto de não sabermos se virá a sair algum dia. O mapa estabelecido antes do anúncio da consola persiste praticamente inalterado e as notícias que vão surgindo resumem-se aos jogos da Nintendo como Arms ou Splatoon. Apesar do sucesso comercial, poucos se chegam à frente para expressar claramente os seus planos e aliciar o público com novas informações. Até do lado das produções mais pequenas a store continua rudimentar tanto em aspecto como em conteúdo. Mesma coisa para as features, numa altura onde uma plataforma do tipo Netflix poderia transmitir a ideia de algum progresso. Sabendo que a Nintendo projeta um serviço pago pelo jogo em linha o panorama é constrangedor. Esperam mesmo ter algo que justifique o investimento até ao fim do ano?

A Wii U não deixou saudades. Uma consola que sacrifica poderio para justificar o investimento num gimmick irrelevante é uma proposta comercial desonesta. Os fãs da marca foram chantageados em adquirir uma plataforma sem qualquer outro benefício do que poder desfrutar do Made in Nintendo. O Resultado foi um investimento dispendioso por parte dos fãs e o virar de costas de outros que poderão ter desistido de vez. Desta temos uma proposta que pode fazer a diferença e demasiados elementos comprometedores para tanta procura. Se a Switch falhar em constituir um portfólio respeitável teremos talvez aqui um caso preocupante de uma indústria que desiste de oportunidades por estar presa à rotina.

Entretanto vou jogar mais uns 20 minutos de Zelda e já volto.