Foi em 2010 que vimos Limbo a ocupar os discos rígidos dos consumidores, para os educar para um novo tipo de jogo, distante das experiências AAA que mostravam agora desmonopolizar o mercado. Sendo da primeira vaga de jogos elaborados por pequenos estúdios que se poderiam dar ao luxo de também se dedicarem ao detalhe, como Rui Craveirinha aponta no seu artigo do ano passado sobre Inside, e iterar sobre aquilo que agora se retomava com o nascer do mercado indie: explorar e desbravar terreno, como se fez na génese desta que se apelida de décima arte.

Porém, para mim, o até agora curto repertório da Playdead deixa algo a desejar: não que deixem de ser belíssimos jogos, que o são, apenas negligenciam os princípios que se têm vindo a construir até à actualidade. A visão ingénua a que a arte se permite expor é, na minha opinião, um excelente prisma a partir do qual podemos retirar conclusões que não se apelidam de válidas ou correctas, friso: longe de mim estabelecer uma métrica para quantificar arte. Essa ingénua visão visa olhar para a arte, produto da mão e livre arbítrio humano a que chamamos criatividade, como conjuntos, como autênticos frankensteins de arte mais rudimentar. O cinema poderá ser visto como a composição da orquestração de sons e música, fotografia e movimento, diálogo e actuação (e não só). Os videojogos tudo isto, mais uma camada de interactividade. Mas a parte verdadeiramente interessante e que dá valor ao meio não se prende em cada uma das suas partes, mas no que a soma permite fazer de novo, original e autêntico, que cada uma das partes talvez não conseguisse fazer sozinha. Pegando no exemplo da aberração que surgiu do romance de 1818 de Mary Shelley, o que é que este monstro, composto de várias peças que servirão propósitos diferentes quando unitárias, isoladas, consegue fazer que as suas partes teriam de lutar mais para o fazer. E tratando-se de arte é aqui que o formalismo se perde, porque a forma de quantificar este “consegue fazer” é, na verdade, “consegue fazer sentir” e isso está encarregue à percepção de cada um de nós.

Princípios. E quem diga o contrário ousa da ingenuidade. Longe de mim está a ideia de que contenho a voz da razão, ou o kit de destilação de qualidade. Mas quando Ueda, em 2001, ensinou ao mundo que aquilo que os videojogos conseguem transmitir através da interacção com sistemas é bem mais amplo do que foi até lá proposto (e também extra às outras artes), é isso que procuro nos videojogos. Procuro ser surpreendido, ficar de queixo caído, ser apanhado de surpresa pela positiva. Tanto Limbo como Inside pecam, em mim e para mim, porque essa multiplicidade é proporcionada não pela liberdade criativa de que tiram partido, mas pelas limitações dos meios que os compõem. Isto está inteiramente ligado com aquilo que o jogo está a tentar fazer. E a verdade é que depois de passar as minhas quatro horas com Inside a conclusão que tiro é que este está meramente a tentar contar uma história enquanto distribui regularmente brain candy.

Além de qualquer desviar dessa tentativa de contar uma história terminar com um fade to black e um transportar para um estado de jogo relativamente próximo, fazendo com que cada puzzle em cenário de acção perca qualquer do impacto que tenta infligir na sua primeira ocorrência, banalizando o medo e a urgência, mais que isso, ridicularizando-a, jogar Inside (ou Limbo) resume-se a colocar o input de comandos correcto para progredir na história que quer contar, descartando a importância do agente/espectador, aproximando-o mais da arte cinematográfica e distanciando-o de um jogo. Há certamente momentos em que será necessária inteligência em vez de considerar todas os cenários possíveis, mas não há nada que una estes dois momentos além da estética: funcionalmente, são tão heterogéneos como à água e o azeite. Se em Shadow of the Colossus ou em Journey existe espaço para abraçarmos as personagens, proporcionada também pela liberdade que nos é dada, nos jogos da Playdead existe ‘esquerda’, ‘direita’, uma resposta certa e imensas erradas. Se em jogos que exploram o meio as nossas acções reflectem o que sentimos (em uníssono com a personagem que representamos), em Inside as nossas acções estão limitadas ao pouco que o seu sistema nos permite interagir (aqui acrescento que a interacção vai além da quantidade de botões que o jogo nos permite pressionar) e, por inevitabilidade e coerência, essas reflectem os sentimentos posto pelos autores nas personagens através da escrita, naquele mundo, a todo o momento percepcionado como disjunto de nós. Por um ecrã. Mas se tudo é determinado e tudo está escrito, não há nada que separe esta obra (e outras regidas pelos mesmos princípios) de um filme com uma panóplia de finais alternativos. O jogador não é mais do que combustível para o desenrolar da acção.

E não há nada inerentemente errado nisso: aquilo que para mim representa a Atlântida do meio pode ser, e ainda bem que é, diferente em cada um de nós. Porém, se em pouco o jogo vem acrescentar ao que poderia estar feito num filme, para mim é insuficiente. Não basta o trabalho incrível na animação, a facilidade com que a mood do universo é estabelecida (que é, a meu ver, aquilo que LimboInside têm de melhor para mostrar), a sonoplastia exímia e todo o trabalho posto em construir este universo credível (herdado, como referido pelo Rui, por um dos maiores ícones da literatura inglesa) mas que depois nos deixa pouco espaço para explorar, ver e sentir em primeira pessoa. Queria viver Inside from the Inside, but turns out they left me out of it. My role is the same as everyone else, the work is merely expositive and I think that books, music and movies are more suited for that purpose. It’s a great game for the ones used to more conventional gaming, a great gateway for the ones that aspire explore the medium and a must-play for everyone that calls himself passionate about videogames. But lacks. Unfortunately.