Uma difícil tarefa que temos na nossa vida quotidiana é a relativização. Colocarmo-nos na pele de outros, empatizar com os seus problemas ou pura e simplesmente vermos o mundo de outra perspectiva. Desde que as duas primeiras (e únicas) bombas atómicas foram utilizadas no final da Segunda Grande Guerra que o espectro da destruição paira sobre a Humanidade, e que temos a posição relativa do quão assustadora é a utilização de uma arma nuclear. 

Veio a Guerra Fria, a corrida às armas nucleares e o entrincheiramento mais ou menos volátil das nações em facções distintas, alianças feitas e desfeitas e compuseram a geopolítica dos últimos anos.

Não acredito que exista um ser humano no nosso planeta que seja mentalmente são e que não tema uma bomba nuclear. Os defensores do armamento afirmam até nunca lógica quase existencialista que o simples facto de diversas nações possuírem armas nucleares é automaticamente detractora de outra nação lançar uma arma destas. Foi esta tensão que manteve o mundo em cheque durante o decorrer da Guerra Fria, e parece ser o que mantém diversos lados da barricada geoestratégica na mesma posição nos dias de hoje.

First Strike: Final Hour relativiza uma guerra nuclear à escala global. Não nos humaniza os milhões de vítimas e a terraplanagem de grande parte da civilização. Mostra-nos uma visão externa ao planeta Terra, e mísseis que bailam na estratosfera antes de caírem a pique, semeando o caos. Dá-nos dados frios e numéricos da destruição, e isso chega para nos dar consciência da dimensão da guerra.

O objectivo deste jogo é simples: destruir todas as restantes nações com armas nucleares e ser a única facção “de pé” no fim. Mecanicamente simples, este jogo de estratégia em tempo real impele-nos a construir mísseis nucleares de ataque e interceptadores de defesa, para além de permitir a expansão do território, desmantelamento de armamento e de pesquisa de tecnologias, culminando invariavelmente com Super Armas que exponenciam a palavra “destruição” na expressão “armas de destruição maciça”.

Jogar com os EUA é a forma mais fácil de o fazer, visto que o poderio norte-americano rapidamente demonstra que não é páreo para ninguém. Tentar ganhar o jogo com o Brasil ou com a Coreia do Norte é o verdadeiro desafio.

First Strike: Final Hour é estranhamento contemplativo. Enquanto vemos os misseis a subirem e a descerem, e janelas de pop-up a anunciarem que determinada cidade foi destruída com x milhões de baixas, só conseguimos olhar para o jogo com o temor e a percepção do que aconteceria numa guerra nuclear de larga escala. Apesar de vencermos o jogo basta rodarmos o globo para perceber que raio de vitória é esta onde o planeta foi completamente devastado na luta irracional pela dominação total. Mas a que custo?

Apesar de ser mecanicamente interessante, com as possibilidades de pactos de não-agressão com outras facções/nações, e com cada região dentro do nosso território a funcionar como uma espécie de unidade independente que permite apenas uma acção de cada vez com o devido tempo (real) de a efectuar, seja atacar, defender ou desenvolver nova tecnologia, é fácil ficar imerso na acção que vai decorrendo, mas só o conseguimos fazer realmente se não relativizarmos o que está a acontecer. Se observarmos o globo como um diorama que de forma progressiva vai tendo o seu território em chamas, mas que não imaginamos como algo possível ou desejável para a Terra.

Depois de uma primeira playthrough com os EUA em que invariavelmente venci o jogo, enquanto rodava o planeta para perceber onde estava o último território antagonista fiquei a pensar. First Strike: Final Hour é um jogo interessante e estrategicamente bem desenvolvido pelos  Blindflug Studios, nesta sequela ao sucesso mobile de First Strike. Mas infelizmente a minha capacidade automática de empatizar com a situação traz-me uma carga demasiado negativa para com o jogo, em que imagino nos tempos conturbados em que vivemos o significado de um jogo como este.

Um muito bom jogo de estratégia e soberbamente executado dentro da sua abordagem quase casual, dentro de um tema que é tão sério. Há um sabor agridoce a jogá-lo, que é mais emocional do que crítico. Mas que acima de tudo nos demonstra o quão errada é a guerra, especialmente uma à escala nuclear.