No final de 2004, uma das minhas séries favoritas de sempre, West Wing de Aaron Sorkin, teve um episódio denominado “Impact Winter”, na qual o tema secundário (que o principal não refiro para não causar spoilers, mas posso referir que inclui uma visita presidencial à China) demonstra a Casa Branca a braços com um possível asteróide em rota de colisão com a Terra. Ora, sendo sabido que West Wing é um drama político (possivelmente o melhor alguma vez escrito para televisão), é certo que o asteróide não atingiu a Terra, mas passou “perto” o suficiente para que este fosse um tema forte nos sistemas de defesa norte-americanos.

Hoje (que enquanto escrevo estes primeiros parágrafos ainda é dia 23 de Maio), a Bandai Namco lançou mais um peculiar jogo, com o mesmo nome desse famoso episódio de West Wing, e com a mesma temática. Há uma parte de mim que quer acreditar que este jogo desenvolvido pelo estúdio britânico Mojo Bones aborda um mundo paralela, situando a história precisamente nos EUA do Presidente Josiah Bartlet, uma história alternativa de uma história ficcional em que o tal asteróide colidiu com a Terra, e levou-nos a um Inverno eterno. Talvez o seja oficiosamente, pelo menos essa é a forma como eu olho para este jogo.

Este artigo ficou a marinar nas últimas duas semanas (regresso à escrita dia 6 de Junho) altura em que muitos dos problemas técnicos que ensombraram Impact Winter foram já resolvidos, com tremenda diligência pelos seus criadores. Para além da estranheza de não podermos jogar com rato e teclado um jogo que parece ter sido pensado para estes periféricos, a impossibilidade de resoluções acima de 1600×900 e alguns bugs que destruíam a jogabilidade demarcaram aquilo que são as medianas-a-más análises que o jogo foi recebendo.

No momento em que comecei a escrever o artigo dia 23 de Maio tinha acabado de perder todo o progresso que tinha feito ao longo de mais de um dia ingame. Um bug tão estranho e tão ingénuo que até hoje penso como é que falhas destas podem ainda ocorrer com serviços de QA a existirem em grande parte dos jogos. Visto que o jogo é “filmado” numa espécie de isometria, há zonas cegas em que perdemos a visibilidade com Jacob, o nosso protagonista. O que me aconteceu é que ele ficou preso num objecto invisível num passeio, numa área em que eu perdi a visibilidade dele por ter uma parede a tapar. Resultado? Fiquei preso, e sem opções de load só me restou desligar o jogo à força.

Às vezes penso que pouco mais há a fazer nos survival games, sejam eles de que subgénero forem. Impact Winter vem na onda (ou neste caso, na nevasca) de This War of Mine, no qual a sobrevivência não se limita a conseguir que um personagem subsista aos rigores trazidos pelo jogo, mas antes conseguir que um grupo de diversas pessoas chegue ao objectivo final vivo, o que no caso deste jogo recém-lançado pela Bandai Namco significa esperar 30 dias para que o resgate chegue.

Em Impact Winter, ao contrário dessa verdadeira magnum opus que é This War of Mine, só controlamos um dos 5 personagens. É ele (somos nós) o líder do grupo e aquele que não só tem de tomar as decisões difíceis como aquele que vai lá para fora, para os metros de neve que cobrem toda a cidade e para o vento gélido, para explorar a zona ao redor na esperança de encontrar objectos que ajudem a micro-comunidade.

Cabe-nos o racionamento da comida e dos recursos. Na igreja (agora subterrânea, e enterrada em neve até ao telhado) existe uma pequena divisão com caixas, cada uma destinada a um dos personagens, e onde ficam divididos os seus mantimentos. É responsabilidade nossa manter a fogueira presente na nave central da igreja sempre acesa. E aqui recai uma das primeiras críticas mecânicas que tenho perante este jogo. Cada um dos restantes personagens possui capacidades únicas: uma cozinha, outra consegue construir objectos de marcenaria e carpintaria, etc, e temos a possibilidade de assignar construções ou upgrades para cada um deles fazer. Faz-me confusão a falta de livre-arbítrio não explicado, que impede os personagens de atirarem lenha para a fogueira e arriscarem-se a morrer de hipotermia ou de alguma infecção por não o fazerem.

Foi o que me aconteceu uma vez. Numa das minhas incursões pelo exterior, deixei a fogueira acesa por 23 horas porque pensei que iria demorar menos tempo. Com a quantidade de exploração que consegui fazer no hospital, acabei por demorar mais do que isso, e visto que o interface demonstra os indicadores de saúde e felicidade dos restantes personagens, comecei a ver que a temperatura deles desceu até à hipotermia. Mas. E um grande mas! Existia dentro da igreja alguns objectos que serviriam de lenha mas nenhum foi usado. Tive de ir a correr de volta para ir acender a fogueira, enquanto muitos dos personagens adoeciam pelas camas improvisadas da igreja.

Eu percebo algumas questões mecânicas de salvaguarda de inventário, e o livre-arbítrio dos restantes personagens poderia coincidir com o desperdício de recursos importantes. Mas soa-me tão estranho que eles tenham vontade própria para fazer tanta coisa menos algo que é primordial à vida: o instinto de sobrevivência. É claro que a minha impossibilidade de os contactar à distância é uma decisão de game design, visto que existe um upgrade que ainda não tenho, mas que suponho que permita comandar o resto da equipa independentemente de onde eu estiver.

Impact Winter possui muita backstory para cada um dos personagens, e isso é visível com as possibilidades que temos para conversar com os restantes sobreviventes, que invariavelmente vão desbloqueando side quests para levarmos a cabo. Cada quest e cada side quest que terminamos dá-nos duas recompensas distintas: por um lado a abertura de novos “papéis” ou seja, passivas para aplicarmos aos personagens e que lhes dão um buff e um debuff, e por outro, a  diminuição do tempo que falta para o resgate chegar.

Ao nosso lado temos sempre um fiel robot, o Ako-Light, cuja bateria é uma das limitações que temos ao fazer as explorações exteriores. O pequeno robot consegue servir de radar e de iluminação, mas mais cedo ou mais tarde temos de regressar para carregar a sua bateria.

Com as centenas de itens que encontramos pelas nossas incursões exteriores, como podem imaginar, tudo é upgradeable, o que inclui o próprio Ako-Light. O grande problema é mesmo a gestão do inventário, como é tónica do género. Mas facilmente nos perdemos entre aquilo que achamos que pode ser útil e aquilo que realmente é.

O outro grande perigo do exterior (para além dos animais esfaimados) são as ocasionais nevascas que deixam o ecrã completamente branco, e onde o GPS do Ako-Light não funciona, para além de ser um perigo para a nossa sobrevivência. A solução passa por encontrar abrigo ou construir uma tenda que nos resguarde da violência natural da tempestade de neve.

Impact Winter parece-me uma óptima proposta e complexa, para um género que não só está hiper-saturado, como eu próprio (como muitos jogadores) já reviro os olhos sempre que ouço as palavras survival e game seguidas. Mas Impact Winter tem um óptimo potencial, um ambiente tremendamente bem conseguido e um estilo completamente único, manchado pelos problemas técnicos e pequenas decisões mecânicas que a mim me soam como erradas. Mas com a diligência que o estúdio Mojo Bones tem dado às implementações do feedback dado pela comunidade, acredito que a médio prazo este venha a ser um óptimo jogo. Justa ou injustamente fustigado por reviews bastante agressivas, mas que possa servir de cautionary tale ao mercado: críticos e jogadores começam a ter tolerância zero para lançamentos atabalhoados dos quais Impact Winter é apenas mais um exemplo.