É consensual que a E3 é repleta de altos e baixos, de momentos menos bons e de outros que nos deixam aos saltos na cadeira de felicidade, e esta edição de 2017 não poderia deixar de ser um desses casos. No entanto o certame continua a trazer-me um amargo de boca tremendo: demasiadas coisas boas para jogar, e não existir tempo que multiplique para o permitir. A cada ano a época dos Santos populares é quase sinónimo de noitadas, mas não pelo meio de multidões nas ruas de Lisboa, mas a assistir às muitas conferências e quais as “tendências” do mercado para os próximos meses, o pouco prêt-a-joeur do que vai chegar às nossas casas num futuro próximo. Ou por vezes não.

Parece-me que a indústria como um todo tem aprendido consigo mesma nos últimos anos. Depois de toda a crítica com os muito fait divers e smoke and mirrors que as conferências foram tendo em crescendo até 2014, temos sentido uma contracção óbvia nos espectáculos versus anúncios, e na seriedade com que a indústria comunica consigo mesmo e para fora. 

Apesar de alguns momentos de enfado, a E3 2017 foi o epítome da sobriedade e em alguns aspectos, do respeito corporativo para com todos os agentes do mercado. Substituímos os muito-criticados momentos de enchimento de chouriços com celebridades e luz e som, por muitos momentos de revelações, de trailers e segmentos muitas vezes ininterruptos que são, e deveriam ser, o sumo de todo o certame. Menos espalhafato e mais conteúdo: a seriedade com que nos falam depende muito da forma como falamos com os outros.

A ideia de anunciar apenas por anunciar, como foi tónica do início desta década em que as companhias se limitavam a atirar logótipos ou pequenos teasers de jogos que não veriam a luz do dia durante quatro a cinco anos foi outro dos undertones das diversas conferências, e tirando algumas situações (algumas justificadas ou não) grande parte do que vimos fará parte do mercado nos próximos 12 meses, cumprindo o ciclo anual entre E3.

Este era um ano de poucas revelações do ponto de vista de hardware. A Nintendo lançou a Switch há meses, e mesmo o seu ciclo de marketing e pré-marketing foi todo pós-E3 2016 e pré-E3 2017, portanto o loop acabou por ser feito “por fora”. A PlayStation já tinha lançado a sua versão Pro e o PSVR no ano passada, restava-lhe apenas anunciar títulos para as suas plataformas. Cabia à Microsoft, quase em atraso de ciclo, anunciar a sua estratégia para o anunciado Project Scorpio e de que forma é que este iria salvar a má prestação da plataforma, e da marca Xbox na actualidade.

Mas a promessa de poderio gráfico, 4K, e demais clichés de marketing fizeram ressoar ainda mais alto o silêncio e a falta de entusiasmo em torno da Xbox One X, que para além de ser um quase palindroma e de demonstrar a fraca escolha de marketing a vender o produto (esquecendo o público geral e o desaire Nintendo-Wii-Wii U) rapidamente fez transparecer que esta intumescência genital toda pela potência gráfica excita apenas uma franja do mercado e até a Sony contraiu nesse discurso como podemos ver pela sua conferência, em que a Pro foi abordada como consequência e nunca como preâmbulo. O poder é interessante, mas o pré e pós lançamento da Switch deveriam ter servido de cautionary tale à Microsoft de tentar perceber que aquilo que entusiasma a indústria e que faz soar os soundbytes e os cliques é conteúdo. Este direccionamento todo da Xbox parece aquela esperteza-saloia de se julgar que se está tão à frente, tão à frente, que na realidade ainda estamos atrás.

Por outro lado entristece-me ver que Phil Spencer e a sua administração ou têm a visão errada do mercado dos videojogos ou uma total e franca inépcia corporativa que tem ajudado a enfraquecer a luz da marca. Eu não sou grande defensor do capitalismo, mas sempre defendi que em todos os aspectos a competitividade ajuda a desenvolver e a melhor mercados. O mercado dos videojogos precisa de uma Xbox ciente do que quer fazer, e até a própria Sony ganha (e todos nós por arrasto) com um “adversário” que a obrigue a step up her game. Não é o caso, e a cada má decisão de todos este processo pós-Xbox 360 demonstra as fragilidades de Spencer e o quão alheado da realidade parece estar em relação ao mercado das consolas domésticas, o que inclui o menosprezo ou recorrente falta de aproveitamento dessa verdadeira mina que possuem em mãos que é o Windows 10.

Houveram muitos bons anúncios como podem ver não só pelos múltiplos artigos e vídeos que se espalham pela internet, como pelas nossas próprias análises ao evento, separando e avaliando a prestação das marcas individualmente.

Por outro lado, este que é o nosso segundo ano consecutivo sem ir presencialmente à E3 e que demonstra que o investimento financeiro (e não só) quase nada justifica. As máquinas de comunicação das marcas estão tão afinadas que é possível contactar com quase tudo o que é apresentado, chegando até ao ponto de experimentá-las in loco nas semanas pós-E3 como tem sido habitual no showroom da Nintendo e em algumas iniciativas da PlayStation.

Quanto à pergunta habitual: quem ganhou a E3? Terá sido a Microsoft, a Sony ou a Nintendo? Teremos sido nós, os jogadores? Terá sido a indústria que mostra estar mais viva que nunca. Não, todas estas respostas estão erradas. Quem ganhou foi quem efectuou um toque rectal merecido a todos nós: à indústria, companhias, imprensa e jogadores, que desconstruiu em paródia aquilo que são, em essência, as conferências e toda a postura corporativa à sua volta. Indubitavelmente a vencedora da E3 2017 é a Devolver Digital:

P.S.: Só um pouco de mesquinhice de designer: mas será que a E3 não consegue fazer um redesign ao seu logótipo? A cada ano que passa mais me lembro que esta estética WordArt do logo da E3 demonstra tudo menos avant-garde tecnológico.