Fazendo uma auto-análise, eu acho que talvez seja excessivamente crítico das práticas recorrentes da Ubisoft. Resquícios de um espírito combativo que foi sendo apaziguado com a passagem dos anos aliado à consciência que a corporação francesa muitas vezes mereceu realmente este tipo de rigidez. Porém, se reconheço o quão duro sou com eles usualmente, também rapidamente tenho de admitir que a Ubisoft foi sem dúvida a empresa que mais me surpreendeu pela positiva nesta E3.

Fazendo uma meta-análise percebemos que esta postura apresentada durante a E3 não foi algo novo. A própria companhia deve ter percebido internamente que o milking the cow excessivo que estavam a levar a cabo com as suas franquias, em especial Assassin’s Creed tinham duras consequências a meio termo.

A primeira, e mais óbvia, era o backlash de jogadores e imprensa, que poder-se-ia ou não traduzir em perdas nas vendas. A segunda era o esgotamento criativo e até o burnout dos seus developers, cansados de recauchutar de ano para ano lançamentos sucessivos sem espaço para arejar as ideias ou mudar o palato laboral, num fordismo excessivo adaptado à indústria do entretenimento. O terceiro era a falta de impacto dos seus lançamentos e a consequente perda de mediatismo das suas revelações, facto que se foi sentindo na falta de entusiasmo com as suas conferências.

A revelação de Assassin’s Creed Origins funcionou para criar impacto, muito devido à margem de respiração que a Ubisoft finalmente deu à franquia. Mesmo eu que não sou o maior fã da série apesar de possuir praticamente todos os jogos, fiquei genuinamente interessado em jogá-lo e percebe-se que o hiato de lançamento permitiu às equipas de desenvolvimento de levarem esta iteração noutro caminho, ao mesmo tempo que nos permitiu a todos as “saudades para ficarmos contentes com mais um lançamento, neste caso, ir à origem de todo o lore no Egipto.

Na resenha à E3 2017 falei do crescente tom de sobriedade de todo o evento e a Ubisoft é talvez o maior espelho disso. Bem distante de outros anos em que o enfado constante e a notória postura de nos encherem o tempo e a paciência com fait divers, e não o digo apenas pela expressão ser francófona, mas sobretudo porque havia “muita parra e pouca uva” como a máxima popular dita. Não foi de todo o caso deste ano.

Ver Miyamoto a subir ao palco da conferência da Ubisoft com o seu ar pueril e a sua aura de síndrome de Peter Pan foi das coisas mais memoráveis que retive desta E3. Vê-lo apresentar este crossover entre Mario e Rabbids em Mario + Rabbids: Kingdom Battle foi verdadeiramente refrescante. Admito que estava do lado de largos milhares de jogadores que estavam à espera de ver sair desta união um platformer ou mais provavelmente um party game. Um squad-based tactical strategy era capaz de estar bem no fundo das minhas expectativas. E depois de ver os vídeos de jogabilidade só me resta assumir este brilhante casamento como um dos jogos que mais anseio para este ano.

The Crew 2 surgiu em linha de continuação com Steep, ou seja, se não podes vencer outros portentos dos driving games (online e offline) como Forza e GT, então cria o teu ramo, e torna-te numa espécie de faz-tudo das corridas, incluindo mudarmos de um carro para um avião com o estalar dos dedos. Ou no caso, com o clique num menu radial contextual.

Se fiquei entusiasmado com os dois jogos de South Park que vamos ter este ano, sendo que um deles é para mobile, admito que fiquei ainda com maior curiosidade com o aprofundar de Far Cry 5. Esta série que é o meu calcanhar de Aquiles, que apesar de ter adquirido todos os jogos nunca joguei um único, despertou-me a curiosidade pela forma como nos leva para uma temática tão actual, e coloca-nos como antagonistas de um pequeno culto extremista norte-americano, nacionalista e fanático-religioso com óbvios tons de nacionalismo branco, como tantos outros que se vão espalhando pelos EUA e se têm desenvolvido de forma perigosa. Há algo na multiplicidade do elenco disponível e do próprio setting que me entusiasma e será decerto o primeiro jogo da série no qual vou mergulhar.

Mas a revelação, e aquela que me deixou literalmente com lágrimas nos olhos e a dar pequenos gritos de alegria aqui em casa foi o vídeo de revelação de Beyond Good & Evil 2. Foi um afortunado a quem lhe emprestaram o jogo no início de 2004 e que o devorou com sofreguidão, reconhecendo a qualidade tremenda deste mundo (e deste jogo) saído da mente genial de Michel Ancel e da sua equipa. Foi aliás um dos momentos mais emotivos o de o ver a subir ao palco visivelmente emocionado e feliz, e aquela expressão revelou silenciosamente todo o esforço que ele deve ter tido internamente para convencer os gestores da Ubisoft a permitirem-lhe apostar numa sequela de um jogo que foi um fracasso comercial. Os seus olhos lacrimejados traduziam a alegria de saber estar no caminho certo e de ter um tremendo título na mão e de poder continuar a criar um mundo tão entusiasmante quanto este. E essa alegria passou para nós e transformou esta revelação como uma das mais importantes de toda a E3 2017.

Todos temos espaço e tempo para amadurecer, o que inclui grandes corporações, ainda que saibamos que o fundamento último é o lucro. Depois de largos anos em que sucessivamente  critiquei a Ubisoft, a sua postura e a sua falta de respeito perante o público, tenho hoje de afirmar que esta Ubisoft, a da E3 2017, foi uma das grandes contribuidoras para o grande sorriso e o entusiasmo que nutro pelo mercado, e as expectativas do que aí vem nos próximos meses.