No último artigo que escrevi falei de Middle Earth – Shadow of Mordor e do quão apreciei esta experiência de jogo. Do quanto gostei de revisitar o mundo de Tolkien e de cultivar o meu amor pela obra deste escritor inglês, desta vez através de um videojogo. Falei do meu Amor pelo género fantástico, em todas as suas formas: Cinema, Literatura e Videojogos. Se leram este artigo, repararam que referi que apenas um escritor ultrapassava a minha “devoção” a Tolkien: Michael Moorcock.

Michael Moorcock é um escritor londrino nascido em 1939, conhecido pelas suas obras de ficção científica e fantasia, muito embora já tenha escrito romances que ficaram aquém do sucesso de todo o seu trabalho nos dois principais géneros a que se dedicou. Começou a escrever com apenas 18 anos, para uma publicação Londrina de ficção cientifica, onde rapidamente o seu talento e imaginação foram notados por todos os que com ele colaboravam e por todos os que o liam. Ser escritor é algo que admiro muito. Algo que invejo também – ter a capacidade de criar mundos e passá-los para o papel de uma forma que faz com que o leitor seja transportado para esse mundo criado, é algo que almejava conseguir mais que tudo. Ser capaz de fazer alguém Sentir algo através das palavras escritas numa folha branca…que Talento único e invejável! Como gostaria de o conseguir fazer.

Michael Moorcock tem esse Singular talento e, em 1961, inspirado e ao mesmo tempo desencantado com a obra de Tolkien, criou Elric – a personagem que viria a ser a grande referência sempre que se fala na sua obra.

Descrever Elric, ou melhor dizendo: Elric VIII de Melniboné, é muito difícil. Esta não é uma personagem descrita em poucas palavras nem tão pouco a obra criada à sua volta é algo simples de seguir ou descrever. Esta foi uma personagem que Moorcock construiu com o grande objectivo de destruir clichés associados a personagens heróicos encontrados no género fantástico. Moorcock ambicionou escrever algo com “camadas” de complexidade…algo que o leitor não entendesse à primeira… algo sem barreiras de imaginação. Moorcock quis dar algo completamente novo ao leitor, apanhá-lo de surpresa e arrebatá-lo. E Moorcock conseguiu precisamente isso!

Irei tentar o melhor que posso descrever quem é esta personagem e porque acho que esta, mais que qualquer outra história de fantasia, merecia ficar registada para a Eternidade num videojogo que lhe fizesse verdadeira justiça. Tentarei dizer-vos porque é que esta é a minha obra de fantasia, favorita de todos os tempos…porque me apaixona mais que as obras de Tolkien, George RR Martin ou mesmo Peter V. Brett.

Afinal quem é Elric? Elric é o imperador numero 428 de Melniboné, a Ilha-Dragão, uma nação Poderosa e Mágica, tão antiga quanto a própria Terra, outrora dominante de todos os povos. A sua capital, Imrryr, recebe o nome de “Dreaming City”, a cidade sonhadora, pela magia que contém, as suas cores purpura e azuis, e pelo labirinto construído no mar à sua volta, tornando esta cidade tão inexpugnável, que se tornou um mero sonho para quem dela ouve falar. O povo de Melniboné, Orgulhoso e Cruel, inspira o medo de quem o conhece. Elric, imperador e senhor desta secular terra, é um mago albino, de olhos escarlate e cabelo longo e branco. Usa o anel dos Imperadores, símbolo da sua linhagem ancestral, e ocupa o seu lugar de direito no temido Trono de Rubi.

A nação de Melniboné perdeu o seu domínio sobre o Mundo… o Mundo evoluiu e Melniboné continuou imutável, sempre apegada às suas tradições. Mas não é por isso que esta é uma nação enfraquecida – os seus habitantes continuam tão soberbos e cruéis como outrora, olhando com desprezo para o Mundo à sua volta. Elric não é assim. Elric ama o conhecimento, passando grande parte da sua vida enclausurado na sua biblioteca, tentando entender o Mundo para além das fronteiras da Ilha Dragão. Elric lê e, ao contrário do povo sobre o qual reina, Elric… Sente Empatia! O povo de Melniboné rege-se pelas leis do prazer e egoísmo – o importante é a satisfação imediata e o domínio sobre outros. Para Elric, um ser tão forte intelectualmente como fraco fisicamente, o importante é conhecer e entender. Sendo ele um mago desde o seu nascimento, Elric pouco cultiva estes talentos preferindo obter as suas vitórias através do acordo, do entendimento, da conversa. Bebe poções para suster a sua vida – o seu corpo albino atraiçoa-o e Elric é frágil. Tem muitos nomes para quem o conhece: “O campeão Eterno”, “O Rei Melancólico”, “O Lobo Branco”, “O Albino”…

Elric conhece um único Mestre, o senhor do seu povo: Arioch – Senhor do Caos e Desordem. Num mundo de Deuses e seres místicos, Melniboné foi abençoado pelo senhor da crueldade, do poder e da ambição – algo que o povo de Melniboné venera com fervor. Algo que Elric recusa aceitar como único caminho.

O seu mundo monótono de reinado é vertiginosamente abalado quando Yyrkoon, o seu primo, tenta roubar o seu trono e apoderar-se da mulher que Ama. Yyrkoon recorre aos favores dos deuses e procura uma espada Mágica – uma espada que alimenta de energia quem a maneja, tornando o guerreiro que a possuiu praticamente invencível.

O Mundo onde Melniboné existe, este planeta Terra alternativo, é um mundo de Multiversos, onde diferentes planos de Cosmos existem, onde diferentes versões do nosso Mundo coabitam em planos distintos. Um Mundo que Moorcock criou inspirado na teoria de Multiversos da Física quântica e que permitiu ao escritor (e felizmente ao leitor também), não ter quaisquer limites na sua criação ou imaginário. Qualquer mundo, com qualquer regra, é passível de ser escrita neste Universo feito de diferentes camadas. A descoberta de cada uma delas é feita pelo leitor em cada página, com uma subtileza e magia que raramente se encontra em obras do género.

Mas voltemos ao príncipe Yyrkoon e à sua ambição. Numa tentativa de se tornar ainda mais poderoso, Yyrkoon refugia-se num deste universos paralelos em busca da espada mágica. Elric segue-o, e é numa das batalhas mais fascinantes que alguma vez li, que Elric encontra a sua outra “metade”: A espada Stormbringer.

Parece estranho o que vos vou dizer, mas Stormbringer, um objecto inanimado, uma espada, é uma personagem quase tão rica e fascinante como o próprio Elric. Stormbringer não sente. Stormbringer não ambiciona nada. Mas Stormbringer deseja – ela quer almas. Quer sentir o frenesim de luta. Quer o toque de Sangue no seu Aço. Quando sente que a luta se aproxima, Stormbringer geme… canta… emite um som hipnótico de êxtase e antecipação. Tenta impor a sua vontade… tenta dominar o seu dono. A espada mítica de Elric é, a cada momento, a sua maior arma e o seu mais perigoso inimigo. E esta dualidade e relação é absolutamente fabulosa de se ler.

Esta relação, esta exploração de si mesmo e de todos os mundos e multiversos, é a base da minha saga favorita de sempre no género de fantasia. Uma saga que hoje decidi partilhar convosco.

Desculpem se falhei mas esta foi a melhor forma que consegui definir uma personagem tão complexa e indefinível como o Imperador de Melniboné. Foi a minha melhor tentativa para vos falar do quão adoro Elric – uma personagem que inspirou a criação do muito amado Geralt de Rivia. É verdade, as semelhanças existem e a criação de Geralt foi a melhor homenagem de sempre que vi fazer ao Lobo Branco.

Mas Geralt não é Elric… e se Geralt ficou para sempre registado num dos melhores videojogos que alguma vez joguei, sinto que Elric merece ainda mais essa Honra.

Quando terminei Witcher III, e agora que estou a jogar algo com um design e mecânica muito semelhante (Horizon Zero Dawn), sonho cada vez mais com a possibilidade de existir um jogo dedicado a Elric, algo com a mesma mecânica mas no universo Moorcock. Um Action RPG, com todos os Multiversos para explorar, cada um deles com um design absolutamente diferente do anterior, com personagens próprias, texturas distintas, com camadas de história para o jogador conhecer e desfrutar.

Já pensaram no potencial que um Universo literário assim tem para um Game Designer? Poderia desenhar o que quisesse…as quests poderiam ser tão diversas quanto a liberdade criativa assim o permitisse. E trazer Stormbringer à vida? Dar-lhe poder… Dar ao jogador a sensação que também ele é subjugado por esta espada. Dar ao jogador a sensação, em batalha, que luta tanto contra o inimigo como contra o domínio exercido pela sua própria espada.

A sério: já viram bem o potencial que esta saga tem para ser transformada em videojogo??? Podermos viajar de Universo para Universo, defrontarmos povos, criaturas e Deuses. Conhecermos Arioch e criarmos com ele uma aliança, sem cair nas suas garras. Andar no “Ship of the Land and Sea”… Percorrermos as ruas da Dreaming City… entrarmos na Fortaleza de Pérola… podermos entrar nos lugares que apenas lemos nas páginas de cada um dos livros que compõem esta maravilhosa saga. Poder estar lá, da forma Única que apenas um videojogo consegue fazer.

Pergunto-me como é que esta saga, que existe desde 1972 (embora Elric tenha aparecido num conto em 1961), passou sempre ao lado dos criadores e developers de videojogos. Conseguiu ser transportada para a Banda Desenhada e até para um jogo de tabuleiro, mas falhou sempre o salto determinante para o mundo do entretenimento electrónico. Por duas vezes, duas developers distintas (Psygnosis e Snowball Interactive), tentaram a sua sorte e por duas vezes, desistiram do projecto. Talvez tenha sido pelo melhor – Elric merece o que de melhor se faz na indústria.

Cada vez que vejo um novo mundo fantástico surgir em videojogo, penso para mim mesma: como é que é possível ninguém pegar na obra de Moorcock? Numa altura de um marasmo criativo, no que a histórias diz respeito, Elric traria uma revitalização ao género, da mesma forma que em 1972 trouxe uma revitalização à literatura de fantasia.

Gostaria muito que conhecessem Elric. Desculpem se não vos consegui passar a sua essência e se, depois de lerem este artigo, não sentiram qualquer vontade de conhecer a obra de Moorcock. Certamente é falha de quem escreve este texto, pois as linhas escritas de Moorcock não têm estas falhas. Queria ter-vos transmitido como queria pegar na minha consola e poder entrar no Mundo de Melniboné.

Resta-me esperar… com a melancolia da espera que tanto acompanha o Eterno Campeão. Entretanto, desfrutarei da companhia das letras, continuando a folhear as páginas onde o meu Lobo Branco e a sua (minha) espada se encontram, como sempre, na cidade sonhadora e eterna de Imrryr, à minha espera!