Não sou propriamente estranho a jogos de cartas coleccionáveis, joguei Magic the Gathering quando era adolescente, na casa dos 20 tentei um da DC Comics mas falta de adversários levou-me a desistir e foi com Yu-Gi-Oh que acabou a minha carreira nesse campo. Gostei bastante do jogo na fase inicial especialmente a utilização de armadilhas e feitiços instantâneos num sistema tão longe do de Magic, eventualmente estragaram o jogo levando as capacidades especiais das criaturas ao exagero, mas na sua vertente mais pura e original o jogo e as suas cartas era muito bom.

Pensando nisso: onde raio estão as minhas cartas? Não me lembro onde as guardei quando mudei de casa, e tenho lá um Blue Eyes White Dragon Edição Limitada…

Mas não estamos aqui para falar desses jogos hoje mas sim de Astro Boy: Edge of Time, um jogo de cartas coleccionáveis dentro e fora do universo de uma das mais conhecidas e amadas franquias de animação japonesas.

Tetsuwan Atomo (Astro Boy), foi criado por Osamu Tezuka que é considerado por muitos o pai do manga moderno, uma espécie de Walt Disney do país do sol nascente. A série original de livros que correu entre 1952 e 1968, neste futuro distante humanos e robots coabitam o planeta e um homem cria Astro para substituir o filho que perdeu num acidente. Um robot, mesmo com as memórias de um ser humano, não deixa de ser uma máquina e devido a isso o seu “pai” vende-o a um circo, de onde ele é resgatado ao fim de uns tempos, e adoptado pelo novo ministro da ciência.

Astro utiliza as suas capacidades de força, voo e metralhadoras que saídas do rabo (Japão, não façam perguntas) para derrotar todo o tipo de inimigos do bem-estar geral enquanto vive alegremente com o seu pai adoptivo. A série continuou durante anos fora da tutela de Tezuka e já sofreu inevitáveis reboots até aos dias de hoje, mas isso mostra que nem que seja apenas no seu país de origem (que não é) Astro Boy é um dos maiores marcos na história do manga pela sua indubitável qualidade de arte e argumento, assim como sendo puramente amado pelo público em geral. Um jogo de cartas baseado nele não é estranho tendo em conta tantas séries japoneses que criam jogos como fonte de rendimento adicional mas nada tão diferente como este.

Antes de passar as tecnicidades deste jogo preciso explicar a diferença acima mencionada. A maior parte dos jogos ligados a uma série fazem parte da série como Yu-Gi-Oh ou Byakugan, ou usam imagens da própria série como os jogos de vídeo Pokémon, Digimon ou Yo-Kai Watch. Este Astro Boy: Edge of Time por seu lado apenas vai buscar inspiração no mundo de Astro, altera completamente a sua estética mas sempre de uma maneira que respeita a fonte original. Quando conhecemos a série é fácil reconhecer os personagens mesmo com um ar mais ocidentalizado e menos infantil, toda a arte é invulgar e ao mesmo tempo familiar.

Uma das razões pelas quais coleccionamos cartas (falo por mim mesmo) é pela arte, se as cartas não forem apelativas o jogo geralmente não é e todos os artistas que redesenharam o universo nestas cartas conseguiram esse efeito, e não foi só ao nível dos personagens e efeitos principais mas também dos mais obscuros cantos de um universo gigantesco, chegando ao pormenor de haver uma carta para aquele personagem que aparece numa única vinheta num único livro de Fevereiro de mil e nove e sessenta e três sabendo que há algures um fã que irá reconhecer e agradecer a inclusão deste pormenor. Pode ser para ter mais material de rendimento (porque como em qualquer jogo de cartas é necessário gastar dinheiro para ser competitivo) mas o facto de se debruçarem a este nível de fan-service mostra que é um trabalho feito com algum carinho e atenção.

O jogo tem um modo aventura individual com uma história interessante e como já disse bem inspirada no universo de Astro (apesar de fugir dele) e modos multiplayer online, seja qual a opção do jogador a base é a mesma, podemos escolher um baralho de cartas de uma de quatro facções, cada uma com particularidades e cartas exclusivas que se podem adaptar ao estilo pessoal de cada um e às vezes do adversário, ainda estou longe de criar um baralho imbatível.

O primeiro baralho vem no tutorial e depois disso podemos comprar cartas específicas ou booster packs na loja, com a particularidade que 1 pack simples pode ser comprado com Prismas, a in-game currency que amealhamos com vitórias, mas packs mais evoluídos onde há uma maior hipótese de ter cartas mais valiosas, só podem ser comprados com microtransações. Cartas individuais também estão disponíveis e podem ser compradas com uma ou outra opção de pagamento. Apesar de ser contra microtransações em jogos, até consigo perceber e aceitar neste.

O “tabuleiro” é distribuído em duas secções para cada jogador, no qual há um campo de ataque e um de defesa. Depois vamos acumulando pontos para fazer as jogadas, no primeiro turno temos 1, no segundo 2, terceiro 3 e por aí em diante, são esses pontos que nos permitem colocar em jogo as nossas cartas tendo em conta o seu custo, sendo esse o único limite. Depois disso é um jogo simples de eliminar os pontos de “vida” do adversário tirando maior partido possível das habilidades da nossa mão e estratégia. As habilidades e variedade das cartas permitem uma panóplia de experiências até encontrar o ponto certo, que por si é grande parte do divertimento de tudo isto, combinar opções diferentes, ver como “isto” funciona com “aquilo” e pode vir a roubar-me muitas horas que não tenho. (In)felizmente ainda não há versão mobile senão estava bem lixado.

Se vai ser um competidor para Hearthstone ou Gwent, ainda não sei mas que é o único jogo que reavivou as brasas do meu coração por cartas coleccionáveis não tenho dúvidas nenhumas. Recomendo!