Desde bebés que somos expostos a histórias. Seja pela voz carinhosa dos nossos pais e educadores, seja pela televisão que em tantos casos substitui aqueles, seja pelos livros que vamos desajeitadamente folheando, criando linhas de entendimento a partir de páginas coloridas.

O nosso contacto narrativo é constante e sê-lo-á até à nossa morte, altura em que a nossa própria história termina e o livro se fecha. O que vai diferindo na forma como contactamos com as histórias é o seu formato e a sua complexidade.

Invariavelmente esta maturação das histórias que nos são contadas passou a incluir a nossa participação nelas e não apenas num sentido performativo. Os já falados livros de Fighting Fantasy e demais choose your own adventure cimentaram a capacidade de contar histórias de forma interactiva com recurso apenas a livros, em linha de continuidade com os RPGs, a forma colectiva e imaginada de construção de narrativas únicas.

O salutar interesse que os pen and paper RPGs têm tido nos últimos anos potenciou também a massificação de algumas campanhas ou jogos menos conhecidos. Pathfinder, a adaptação da regras de Dungeons & Dragons a um setting e regras próprios acabou por criar a sua falange de apoio, o que justificou a adaptação das mecânicas lúdicas e narrativas a um board game de sucesso baseado em cartas há cerca de quatro anos.

Dessa adaptação tão bem recebida, faltava pouco para a migração desses conceitos e execuções para o mercado dos videojogos.

O que Pathfinder Adventures faz (e o board game original já fazia) não é original. Jogos em que é a aleatoriedade das cartas que saem quem dita o decorrer da história e dos conflitos é algo que já vimos muitas vezes feito em jogos de tabuleiro, e até em Hand of Fate o magistral exemplo nascido no sei dos videojogos.

O que nos surpreende aqui é a forma exímia como foi possível criar uma experiência interessante ao traduzir para cartas as características de um pen and paper RPG, e transitá-la para um sistema baseado (quase) unicamente em cartas em que o elemento da sorte é introduzido através dos dados.

Pathfinder Adventures é eficaz na forma como consegue ensinar as suas muitas e complexas mecânicas no seu tutorial, dando-nos as ferramentas necessárias a arriscarmos a sorte por nós mesmos. Existem aqui mecânicas díspares que vão muito mais longe do que os jogos de cartas nos dão, no qual, “revelar”, “descartar”, “enterrar” e “recarregar” são acções possíveis para as muitas cartas com outcomes distintos mediante o texto da própria carta.

O objectivo, esse, é simples, para alguém da curta narrativa conseguirmos derrotar o inimigo principal de cada cenário. Cada um destes possui uma série de locais distintos para onde temos de “enviar” os membros da nossa party (escolhidos por nós dentro das classes de Pathfinder) e cada um com um baralho e habilidades específicas.

O decorrer de cada turno para cada personagem é simples: revelamos uma carta do baralho de exploração do local e temos de o resolver: seja uma armadilha que temos de evitar, um monstro que temos de derrotar ou um aliado (uma carta) que temos de conquistar, sempre em vista a procura nestes baralhos exploratórios do vilão que encerra o próprio cenário.

Terminar cada cenário não é fácil especialmente porque temos de ter em conta dois factores distintos: o primeiro é o tempo definido para cada cenário e o segundo a mobilidade dos vilões.

Como tudo em Pathfinder Adventures, o número de cartas em cada baralho define o HP (no caso dos personagens, e que ao chegar ao 0 o personagem morre), seja em cartas “de turno” que servem simultaneamente como efeito temporário e de contador do próprio cenário. Findo este baralho o jogo termina e fomos incapazes de progredir na história. Por outro lado,se tivermos a sorte de encontrar o vilão principal, é-nos dada a possibilidade de fechar” as localizações exteriores em que ele está e onde temos personagens, visto que após ser derrotado, e tendo para onde fugir, o vilão principal fá-lo-á sempre até ficar encurralado.

Para além destes momentos, é-nos possível encerrar locais ao cumprir o requisito estabelecido para o fazer, seja derrotar um monstro específico ou ultrapassar um check clássico, seja ele de Força ou qualquer outro atributo dos personagens. É claro que apesar da party estar dispersa por vários locais na tentativa de maximizar as chances de encontrar o vilão, mediante as cartas que cada um possui na mão existe a possibilidade de existir entreajuda em qualquer lance de dados.

Porém, nem tudo são rosas em Pathfinder Adventures, que apesar de suceder de forma inequívoca na transposição de um jogo completamente narrativo para um meio termo que o faz com recurso a cartas, acaba por declarar por decisões de design o modelo de negócio para o qual o videojogo foi originalmente desenvolvido: o mobile. A versão que jogámos foi a de Steam, que é perfeitamente idêntica às existentes em iOS e que ainda contêm uma tremenda aura de micro-transacções e de grind de ouro para comprar cartas cada vez mais poderosas.

É que o baralho disponível para cada um dos personagens é construído com um número limite de cartas, sendo que encontramos novas pelo meio dos cenários. Tendo sido este um jogo pensado num misto entre sistema f2p e premium em que as micro-transacções são não só encorajadas como são motivadas, Pathfinder Adventures no PC fica naquele meio ponto em que sentimos que o verdadeiro sentimento de progressão fica refém da necessidade de ir ao mercado comprar cartas novas e mais poderosas.

Este desajuste para o mercado de PC parece-me ser a grande vulnerabilidade de um jogo excelente que consegue ser tão imersivo e complexo que as histórias e aventuras vividas têm uma verdadeira alma imbuída nas características únicas das centenas de cartas diferentes que o jogo possui.

É um excelente jogo para quem não possui o board game e que adora não só o setting de Pathfinder como pen and paper RPGs em geral. Qualquer veterano do género encontrará em Pathfinder Adventures um tremendo desafio táctico, onde o elemento da sorte tem tanto peso quanto nos RPGs de mesa, e não é nunca um elemento de injustiça para com o nosso desempenho a tentar resolver os conflitos que a “mesa” nos traz.