Quando H. P. Lovecraft e Robert E. Howard escreviam os seus contos para as revistas pulp norte-americanas da primeira metade do século passado dificilmente anteveriam a influência póstuma que o seu trabalho surtiria nas décadas seguintes.

Lovecraft tornou-se o pináculo deste período, com os seus Cthulhu mythos a tornarem-se um dos maiores universos de horror, espalhando inspiração por diversos media, desde o cinema à banda-desenhada, passando obviamente pelos videojogos.

O problema da utilização dos mythos lovecraftianos é que estes muitas vezes soam martelados e obtusos, funcionando mais em forma do que em essência, onde autores se apropriam das entidades criadas pelo escritor e o encaixam de forma forçada nas suas próprias produções.

 

Mas Conarium não faz nada disto. Reconhece-se em cada centímetro o respeito e a profundidade da ambiência do trabalho de Lovecraft muito além do exagero de terror mais próprio da cultura pop dos 1980s do que da loucura conducente do trabalho do escritor.

Em Conarium somos o sobrevivente de um grupo de investigadores de uma base da Antártida onde algo aconteceu que nós não nos lembramos o que foi. O ambiente é transladado de uma das melhores inspirações que o género podia ter The Thing, de John Carpenter. Ainda que este que é um dos grandes filmes de um dos Mestres do Terror seja baseado no conto Who Goes There? de John Campbell Jr., as similaridades desta história e o magnânimo conto de Lovecraft onde Conarium é baseado são evidentes.

At the Mountains of Madness de 1936 é então a inspiração para este jogo do estúdio Zoetrope Interactive, que compreende que o âmago da literatura lovecraftiana não está no ponto final, mas em todo o caminho até chegar a esse momento. O caminho de professa loucura que culmina com o contacto directo com uma das entidades cósmicas malignas que compõem o panteão maléfico das criações de Lovecraft são um encerramento, mas é o percurso até esse momento que constrói a experiência.

Sem qualquer combate, Conarium é um jogo de aventura e terror na primeira pessoa onde a exploração minuciosa e o encontro de pequenas migalhas que nos conduzam à reconstrução da narrativa são o sumo de todo o jogo.

Os puzzles são relativamente simples e remontam invariavelmente sobre encontrar itens que são automaticamente utilizados nas zonas onde são necessários quando com elas interagimos. O cerne da questão não é a dificuldade mas a excelente união entre ambiente e narrativa, entre loucura e mistério que fazem de Conarium verdadeiramente lovecraftiano.

Em termos de ambiência não é apenas conceptualmente (e o respeito para com o material original) que fazem deste jogo uma das melhores interpretações do trabalho do escritor de Rhode Island, mas a belíssima e detalhada direcção artística aqui impressa, onde as névoas subtis e os jogos de iluminação nos transportam para algo mais que o terror óbvio de muitos outros jogos, recriando uma verdadeira onda de mistério e imersão no desconhecido.

Conarium é um dos melhores jogos narrativos/de exploração deste ano, e o mergulho na imaginação negra de Lovecraft, de forma literária e fiel, ajudam a destacá-lo em todos os campos. Com a íntima proximidade e respeito com o material original, acredito que sirva como um dos melhores gateways para a obra de Lovecraft do que muitas outras tentativas que lhe antecederam. E isso é um mérito que ninguém lhe tira.