Caçada semanal #105

Não tenho a certeza quanto ao resto dos meus companheiros e companheiras de redacção, mas tenho a plena certeza que se não fossem as aventuras-gráficas, ou aventuras point-n-click como preferirem chamar-lhe, eu hoje não estaria aqui a escrever sobre videojogos.

Acredito piamente que foram as aventuras-gráficas a ponte de ligação entre a minha infância e a adolescência e um dos motivos por nunca ter perdido a paixão pelos videojogos. A forma como o género me fez amadurecer enquanto jogador (e enquanto pessoa) é uma das razões com que assisto a um revivalismo do género, e óptimos exemplos que não se ficam apenas pelo The Darkside Detective e pelo Midnight at the Celestial Castle.

A caçada semanal desta semana traz-nos mais 2 exemplos de excelentes aventuras-gráficas que ficaram soterradas na enxurrada de lançamentos do Steam mas que valem a pena o investimento.

Bolt Riley, A Reggae Adventure – Chapter 1

Se há quem se queixe que invariavelmente os revivalismos do género vão desembocar invariavelmente nos lugares-comum do passado, com histórias de piratas e demais aventureiros inaptos a toldarem os enredos das nossas aventuras point-n-click.

Bolt Riley, A Reggae Adventure, ainda em Early Access no Steam e com menos de 1 hora de jogo disponível neste momento decide atirar as pré-concepções todas às urtigas e traz-nos um jogo passado nos anos 1970 na Jamaica, onde um jovem aspirante a músico sonha um dia em fugir da sua realidade e um dia ser um grande artista mundial.

É claro que rapidamente percebemos que todas as dicas e sugestões em torno da cultura jamaicana e do reggae têm invariavelmente de ir cair em piadas sobre marijuana e sobre estar pedrado. O único problema destes primeiros momentos disponíveis é que esse humor pode ser excessivamente juvenil, sobretudo se tivermos em consideração que grande parte dos consumidores de aventuras-gráficas (e talvez de drogas, mas deixo essas estatísticas para o Licenciado em Psicologia Quintino Aires) sejam mais velhos, e o nível de humor possa não se adequar com exactidão.

Bolt Riley, A Reggae Adventure é de longe a aventura-gráfica clássica mais única que vimos em muito tempo. Mas apenas com uma pequena amostra do que irá ser há expectativa para perceber no que se vai ainda tornar.

Sandra and Woo in the Cursed Adventure

A primeira surpresa ao tropeçar com este Sandra and Woo in the Cursed Adventure é que este PI não é original, e é, aliás, baseado num webcomic em torno das duas personagens, Sandra, a humana, e Woo, o guaxinim.

Não conhecer o material original não invalida que consigamos desfrutar desta aventura-gráfica cuja linha artística coesa vem em linha directa da linguagem da banda-desenhada e conferem-lhe aquela plasticidade que a ilustração tradicional tão bem sabe desenvolver.

O enredo poderia ser o sonho (ou o pesadelo) de qualquer um de nós. Pelo alinhamento dos astros e o trabalho de uns hackers (quiçá aqueles que interferiram nas eleições norte-americanas) Sandra e Woo são tragados para dentro do universo medieval do videojogos que esta estava a jogar.

O namorado e a melhor amiga de Sandra começam a ficar preocupados com o seu desaparecimento e decidem investigar o seu rasto. E é isto que nos vai permitir (como em Day of the Tentacle) andar a oscilar entre dois mundos distintos: o subúrbio do mundo real e o universo de fantasia onde Sandra e Woo estão presos.

Num jogo com puzzles habituais de pegar em item e aplicá-lo num lugar determinado, Sandra and Woo in the Cursed Adventure sofre apenas do problema da sua longevidade. E porquê? Porque o número limitado de espaços e cenários onde os dois mundos se desenrolam acabam por tornar algo enfadonho todo o busy work que temos de fazer para progredir a história.

Apesar de todo a vibrância do seu aspecto desenhado à mão, Sandra and Woo in the Cursed Adventure acaba por conduzir-nos à frustração com puzzles excessivamente encriptados, e que muitas vezes nos levam a fazer tentativa-erro de todos os itens na esperança de acertar algum por acaso da sorte.