Gerir uma casa tem algo de game design. Enquanto lutava comigo mesmo hoje, a pensar na dificuldade que tenho tido em conseguir escrever, naquilo que são os óbvios sinais de cansaço acumulado a virem ao de cima, lavava a louça do jantar e pensava nos paralelismos que existem com a micro-escala da gestão de uma casa e a macro-escala de um city builder.

É tudo proporcional. A felicidade da população é medida nos mesmos parâmetros que os do agregado familiar. A gestão de recursos tem apenas diferenças de escala, e o desenvolvimento idem. Transladar para a macroscopia os nossos desafios diários é um exercício de game design que encaixa na perfeição no género tornado famoso pela obra de Will Wright.

Parece que está a tornar-se uma norma, que todos os anos exista um city builder que me arrebate, e que sirva de compensação tardia para o desaire que foi o SimCity, e que culminou com o encerramento do estúdio que o desenvolveu.

Há três anos foi o Tropico 5, há dois anos foi o magnífico Cities: Skylines, o ano passado o Project Highrise (que a boa verdade era um tower management game e não um city builder) e parece-me que este ano já tenho o jogo a seguir-lhes nas minhas pretensões governativas virtuais: Aven Colony, publicado pela Team 17.

Fazendo já a devida ressalva, Aven Colony não está no mesmo patamar que Cities: Skylines, ou em muitos aspectos nem no mais próximo que já jogámos, que é o magnífico Anno 2205. Falando novamente de escala, neste caso é entre o estúdio Mothership Entertainment e as equipas dos jogos ao qual o comparámos.

O conceito de Aven Colony é simples: é a nossa missão colonizar o planeta inabitado de Aven Prime, tendo sempre presente que a nossa cidade-colónia necessita obrigatoriamente de estar conectada com uns tubos herméticos por onde os colonos se deslocam.

Se o problema central de muitos dos city builders que conhecemos passa por gestão do trânsito (e pelo tráfego em geral), Aven Colony na sua suavização de mecânicas que aplicou a alguns clichés do género, retirou por completo a problemática da locomoção, reduzindo-a a um parâmetro de felicidade dos colonos pela proximidade que existe entre a sua casa e o seu emprego.

Os tubos, como dissemos, são as ligações estruturais obrigatórias de toda a colónia mas são também os condutores de energia e a forma como os habitantes se deslocam de um local para outro. O que significa que este será o elemento mais importante de todo o jogo.

Aven Colony é mais suave do que a maior parte dos seus congéneres, sacrificando a micro-gestão por uma visão macroscópica e ampla do que é a administração da nossa cidade.

Esta necessidade de haver sempre uma conectividade da cidade dá-lhe um ordenamento que me agrada, construíndo-a como um organismo vivo, uno, que se estende sempre em ligação com as suas partes, onde a grelha invisível quadrangular acaba por permitir uma estrutura ortonormada onde todos os pequenos blocos encaixam na forma final que é a própria cidade.

Visto que estamos a colonizar um planeta inabitado, temos que esperar que o nosso porto de recepção de novos colonos, uma espécie de Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, receba novas naves com mais população, de forma a conseguirmos ter o máximo de eficácia e empregabilidade na nossa cidade.

Os colonos, esses, acabam por ser recortes de cartão genéricos com necessidades genéricas como sede, alimentação, segurança e empregabilidade, e portanto é muito fácil desumanizá-los, e vê-los como meros números. Até porque visualmente eles são praticamente inexistentes e invisíveis no colosso crescente que é a nossa cidade. Apesar da temática sci-fi, as necessidades básicas continuam a ser as mesmas que permitem a existência de vida humana.

As necessidades de protecção são relativamente diminutas e algumas dependem da tipologia de planeta onde estamos a jogar. Para além da necessidade de construir drones de policiamento para combater a criminalidade na colónia, precisamos também de construir canhões para nos proteger de invasões alienígenas e de chuvas de detritos cósmicos, torres-pára-raios para absorver as tormentas eléctricas, drones de purificação dos agentes patogénicos que se possam espalhar pela cidade. E vermes do deserto gigantes, ao bom estilo de Dune, que nos planetas de características desérticas cospem fogo ocasional que destrói as nossas estruturas.

Outra mecânica curiosa, e do qual falámos no painel de “Sustentabilidade no Sci-fi” durante o último Sci-Fi Lx é a preocupação mecânica dos devs de Aven Colony com a poluição, visto que um dos factores que temos de ter em conta, e eliminar assim que possível, são os sinais de desenvolvimento e actividade industrial que contaminam o ar para óbvio desprazer da população.

Num jogo mecanicamente mais simples e mais acessível como é Aven Colony, acaba por existir um tremendo contratempo em toda a jogabilidade. A quantidade de recursos diferentes (e que diferem por tipo de planeta) é algo de salutar porque temos de ajustar as nossas necessidades e as nossas trocas comerciais tendo em conta essa realidade. O efeito das estações do ano nas culturas e o facto de termos de preparar o nosso desenvolvimento com algum cuidado são tudo elementos positivos, mas algo de mal-ajustado na forma como os recursos são geridos.

E digo-o não só pela parte estrutural, já que todos os recursos são guardados em edifícios genéricos chamados “armazéns” e que têm um contador único para medir o espaço, como pela forma algo incapaz que o jogo tem de nos mostrar as falhas de abastecimento, até que seja tarde de mais e a nossa colónia pereça de fome.

Há um desequilíbrio óbvio entre a aparente simplicidade do jogo, o quão sobre-rodas é que as intervenções dos personagens no modo de campanha condicionam aquilo que temos de fazer ao estilo de tutorial, e a forma como o IU do jogo nos permite contabilizar a imensidão de recursos diferentes que cultivamos e minamos.

Aven Colony é, até agora, o melhor city builder do ano, o que não significa que seja um dos jogos do ano. Se em 2015 tivemos Cities: Skylines a dar um “chega para lá” a Anno 2205, sendo que ambos conseguiram destaque (no meu) top de melhores do ano, Aven Colony consegue o feito de me ter conseguido roubar alguma horas de jogo. Um bom e simples city builder que cai na falta de balanceamento entre ser simples demais ou ser excessivamente encriptado. Talvez algum feedback para os devs possa permitir que este jogo sobre colonização inter-planetária cumpra toda a sua potencialidade.

Por agora o entusiasmo morreu como a minha primeira colónia: rapidamente e sem aviso prévio.