Cena de um potencial filme:

Sala de jantar iluminada por velas, Enigma e a voz da Sandra Cretu como ambiente musical. Um casal sentado em lados opostos da mesa, trocam olhares, enquanto ela, descalça, percorre a perna dele com um pé. A excitação é crescente entre ambos. Ele levanta-se até ela e ergue-a nos seus braços, e beija-a com fervor. Começam os dois a despir as suas roupas à medida que caminham atabalhoadamente para o quarto unidos pelas suas bocas e línguas, que nunca se separam durante todo o caminho. Em cima da cama, já nus, com as mãos a percorrer o corpo um do outro, com beijos como mil explosões, ele afasta-se, olha-a nos olhos e exclama, excitado: “Ando entusiasmado com a Euribor, parece-me que posso ter alguns dividendos de algum dinheiro a prazo”. Ela pára, incrédula, ele continua: “E o redesign do Portal das Finanças? Tornou a entrega de Recibos-Verdes muito mais simples”. Ele tenta beijá-la, ela fica estática a olhar para ele, como se alguém lhe tivesse despejado 4 baldes de água fria.

Apesar de encenado e de exagerado, acho que praticamente toda a gente já teve momentos semelhantes a estes, em que o entusiasmo é subitamente entrecortado por algum factor externo. O caso mais recente que me aconteceu com Masquerada: Songs of Shadows, o equivalente em videojogo de, e permitam-me, o jargão, “bolas azuis”.

É impossível não ficar conquistado de imediato com o visual de Masquerada, a trazer a linguagem de Banner Saga para o ambiente pós-Renascimento de Veneza, onde as máscaras típicas desse Carnaval são o ponto central de todo o mundo.

O valor de produção de Masquerada, não em termos nominais que me é desconhecido, mas em termos de resultado final são verdadeiramente surpreendentes. Em termos visuais a atenção ao detalhe nos cenários e nos personagens, a forma como o cel-shading ajuda a manter a estética manual de toda a Arte tornam-no visualmente um dos grandes jogos que joguei este ano.

A cimentar isto, os diálogos são feitos através de um estandarte que surge no topo do ecrã, onde o interveniente aparece com todo o discurso facialmente animado, e com voice acting em todas as linhas de diálogo. Um feito verdadeiramente surpreendente tendo em conta a produção indie, e cujo investimento acaba por empalidecer outros jogos semelhantes que utilizam retratos estáticos nos diálogos.

A história do mundo de Ombre é igualmente interessante nas suas lutas políticas, onde diversas facções com objectivos distintos dividem o controlo sobre o reino, criando tensões e conflitos obviamente resolvidos com recurso aos elementos sobrenaturais potenciados pelas máscaras. Existe também uma sociedade altamente estratificada, com a luta de classes a tornar-se progressivamente mais aguerrida e a resvalar o conflito aberto, complexificando um argumento coeso digno de um boa caso de história alternativa/fantasia na literatura.

O combate é um misto de tempo real com posicionamento, em que um círculo aos pés de cada personagem denotam as suas áreas protegidas e as suas áreas vulneráveis, obrigando-nos a uma dança de esgrima a tentarmos encontrar a vantagem posicional no terreno de batalha. Os ataques e poderes são utilizados com Action Bar, condicionando os pseudo-turnos no meio da acção em tempo real.

As máscaras possuídas pelos nossos personagens têm elementos associados e cada um deles árvores de evolução distintas que permitem especializações muito diferentes entre os membros da nossa party, criando um sistema de customização interessante que torna o combate bastante fluído.

Até agora, estão tão excitados quanto eu? Pois lamento, e citando a máxima popular portuguesa “lá vai água”.

Masquerada tem todos os elementos para ser um excelente jogo, mas todos esses factores são prejudicados por uma total inconsciência de ritmo e de posicionamento que os seus autores lhe imputaram.

A jogabilidade remete-se a procurar círculos verdes ou laranjas no chão que vão desenrolar um diálogo ou acção entre personagens e que permitem o jogo avançar. Com algum curto combate pelo meio, o ritmo é sempre o mesmo: diálogo, procurar em poucos metros o círculo no chão, combater ou não, activar o círculo, diálogo, e assim sucessivamente. Há jogos em que os carris são visíveis, mas no caso de Masquerada nós estamos agrilhoados a eles sem hipótese de manobrar um centímetro para fora da nossa rota.

O mundo de Ombre é rico, mas a forma como o pessoal dos Witching Hour Studios decidiram demonstrar-nos isto é numa busca de círculos roxos ou outras informações desbloqueadas em conversação (sendo que os diálogos decorrem automaticamente sem qualquer intervenção nossa ou capacidade de escolha) e que activam codexes na nossa enciclopédia.

De início, com o interesse que estava a ter neste universo decidi ler cada codex à medida que os ia desbloqueando. Mas o tempo que eu estava a perder com esta quebra de ritmo tornou esta busca literária pelo conhecimento de Ombre uma tarefa rotineira, cortando por completo a acção que se espera de um RPG.

Masquerada não é uma visual novel porque não é expositiva o suficiente. Ao invés de interligar os detalhes deliciosos deste mundo pelo meio do jogo, obriga-nos a pausar o jogo e a ir ler infindáveis entradas de enciclopédia. Também não é verdadeiramente um RPG porque pouco há a fazer que não seja activar diálogos de minutos em minutos para fazer avançar a história.

A nossa capacidade de imersão e o interesse são terrivelmente afectados por isto. Mesmo que decidamos atirar para as urtigas o contacto com as dezenas/centenas de codexes que encontramos, as constantes pausas entre sequências jogadas cortam-nos o interesse e a atenção naquilo que poderia ser um jogo exímio.

Masquerada: Songs of Shadows não sabe o que quer ser. Com a qualidade visual de um bom filme de animação tradicional e com a riqueza narrativa para ser um bom livro, e com as mecânicas de combate para ser um bom RPG, acaba por falhar o ponto de encontro de tudo isto com uma terrível falta de senso de ritmo.

Masquerada é uma imensa desilusão, sobretudo se tivermos em conta todos os exímios factores que o compõem e que deviam fazer dele um excelente jogo. Mas não fazem.

Resta-nos só assumir o balde água fria por todo o corpo, ultrapassar os arrepios de frio e ver todo o nosso entusiasmo a escoar-se com a água, à medida que ela nos escorre pelos pés.