Que eu Amo cinema, acho que já é algo que toda a gente sabe. Que eu Amo videojogos, acho que é  uma afirmação redundante e é mais do que um dado adquirido a esta altura do “campeonato”, depois de mais de 2 anos a escrever (irregularmente) para o Rubber. Triste pensar que, em 2017, depois de tanta evolução na indústria do cinema e na dos videojogos, ainda não consegui ver um casamento perfeito entre estas duas formas de arte que tanto preenchem o meu coração.

E enquanto este casamento perfeito não acontece, gosto de apreciar o romance fugaz que o cinema tem com os videojogos, quando estas duas artes se cruzam na perfeição, nas cutscenes e, mais ainda, nos Trailers. Nos trailers, este romance quente e tórrido entre Cinema e Videojogos, assume uma forma mais real – tão real que quase nos leva a crer que o casamento será possível. Compor um bom trailer para um videojogo, requer a dança da edição cinematográfica, da banda sonora que desperta os sentidos nas grandes obras da 7ª arte e na capacidade de cativar o espectador para uma possível história e aventura que poderemos encontrar no momento em que ligamos o nosso PC ou Consola. Um bom Trailer é um prelúdio… um piscar de olhos… uma pequena revelação do que aí vem. É algo simples e espectacularmente difícil de fazer bem. Afinal, se mostrar demais, poderá levar o potencial jogador a perder o interesse. Se mostrar a menos, poderá levar o jogador a não entender o que aí vem. Às vezes, a simbiose é tão bem feita, que o próprio trailer é bem melhor que o produto final.

Já que entrei por esta metáfora mais ou menos amorosa, permitam-me a liberdade de por palavras aquela que considero a melhor analogia que posso fazer entre aquilo que seria um Bom Trailer vs. Bom Videojogo. Permitam-me esta liberdade de, aos 40 anos, dar-me um pouco ao luxo de não ter filtro e poder dizer as coisas da maneira que as penso.

Um Bom Trailer é como um boa sessão de preliminares naquele momento delicioso pré-sexo com a pessoa que amamos. Os preliminares, tal como o trailer, servem (ou deveriam servir) para criar excitação e antecipação do momento tão esperado que se irá passar a seguir. Se os preliminares forem maus, a excitação pouco ou nada existe – o tão desejado momento poderá mesmo nem sequer acontecer. Se os preliminares forem Excelentes, a vontade de viver o momento que vem a seguir é incomparável a qualquer outra vontade vivida. Mas, nesta segunda hipótese, corremos o risco de o evento em si não corresponder às expectativas criadas pelos preliminares. E porquê? Porque afinal de contas, todas as “cartas jogadas”, as surpresas, os truques, foram todos “postos na mesa” neste momento…o momento a seguir, pouco ou nada acrescentou à antecipação anterior.

Por este motivo, deixei de ver Trailers de cinema – em Hollywood esqueceram-se do que são preliminares e tratam o trailer como a exposição pornográfica do filme que anunciam (ou seja, revelam tudo).

Mas nos Videojogos, ainda encontramos esta arte de sedução posta através de imagens.

É uma linha muito ténue aquela em que um trailer é mau (e o jogo passa totalmente despercebido) e aquela em que o Trailer é tão sublime que ultrapassa em Tudo a qualidade do videojogo. A perfeita combinação entre ambos é tão difícil de alcançar como o bouquet ideal e equilibrado de um bom vinho tinto.

Adoro apreciar a arte por trás de um Trailer. É nestes breves 1 a 5 minutos que eu vivo o romance fugaz da união apaixonada entre a arte do cinema e dos videojogos. Adoro apreciar como demonstram o que poderá ser o videojogo, como provocam a minha curiosidade para a história, como editam as imagens escolhidas, como integram o gameplay, que musica escolhem para me levar a sonhar, como me deixam a tremer de antecipação pelo que poderá vir a seguir.

Posso-vos falar de um dos meus trailers favoritos de sempre:

Trailer de Dead Island ( o primeiro jogo). Dead Island: mais um jogo de zombies que ser perdeu em clichés e deixou escapar uma excelente oportunidade de deixar um marco na história da indústria. Sim, o jogo é repleto de banalidades, mas o Trailer é absolutamente sublime. Começamos a ver um olho de uma menina, um olho morto, e, por imagens entrecortadas desta menina e da sua família, ao estilo Memento de Christopher Nolan, vemos o que aconteceu com ela e o que levou ao seu desfecho. Tudo acompanhado por uma música que se resume a 3 ou 4 notas de piano, que vão crescendo com o som do violoncelo e violino por trás. A história que vamos vendo ser narrada em 3’07 conta Tudo sem palavras. Segue a regra mais sagrada do Bom cinema: “Show – dont Tell“. Ao ver esta história narrada na sequência que recebemos, sentimos mágoa e dor. Choramos. O piano dá a voz à tristeza de quem olha para as imagens. Sentimos que este poderá ser um jogo de perda. De sobrevivência. De dor inesperada num mundo à beira do Caos. É um Trailer com mais emoção que muitas obras cinematográficas completas que já vi. Mas infelizmente, este foi um trailer de preliminar – em que a sessão de “sexo” consequente não correspondeu ás expectativas.

No espectro oposto, em que o produto final é bem melhor que o trailer, temos, apenas para vos dar um exemplo: Shadow of Mordor. O jogo foi das maiores surpresas positivas que tive nos últimos tempos, e em parte essa surpresa positiva vem porque o trailer não me entusiasmou nem desapontou. Na verdade, o Trailer não fez nada por mim. É genérico. Feito “ao metro”. Tirado da escola dos milhentos trailers para filmes de acção feitos em Hollywood – um “How to do trailers according to Michael Bay”. Uma música cuja batida épica tem o propósito de causar excitação em quem vê, imagens misturadas de muita “matança” para dar a ilusão que há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, frases que têm obrigatoriamente que conter uma ou mais das seguintes palavras: “Destiny, Fate, Destruction, End, World” etc, para que o espectador possa sentir que tudo está em causa. Salpica-se um pouco com o anúncio de reviews e notas no final, para dar ainda mais credibilidade à coisa, e está feito. Não há magia. Há “sex by the numbers”.

Disse-vos acima que o equilíbrio perfeito é algo muito difícil de acontecer. Mas quando existe, assistirmos ao trailer é como sermos brindados pela mais fabulosa sinfonia enquanto saboreamos o vinho mais raro de sempre. Este equilíbrio é Perfeito no pequeno minuto e 40 segundos do Trailer “Cut You Down” de Bloodborne. Quando o trailer inicia, vemos o braço do caçador que poderemos ser. Acaricia a arma. Vemos o corvo. O preliminar começa. É o primeiro beijo na sessão de intimidade que se aproxima. Deslumbramo-nos com a cidade. A música conta-nos a história. Temos a noção que vamos para um mundo que nos vai ficar tatuado. Todas as imagens são de Gameplay – nada é cutscene… e este pequeno detalhe é genial… vemos os diferentes estilos de combate que poderemos adoptar. Um vislumbre das diferentes armas que poderemos escolher. A importância da estratégia de evasão. Vemos a magnitude dos inimigos que iremos apanhar. Sentimos a cidade na pele e na inevitabilidade da coragem da sua música. Nada nos é contado da história a não ser nos “innuendos” das imagens e da musica que toca para nós e que fala sobre nós. Bloodborne traduzido num minuto de trailer. E que maravilhoso é.

Poderia falar-vos de muitos mais trailers que me recordam como esta Indústria ainda tem tanto para me apaixonar. Num ano particularmente difícil de Paixão e expectativa, às vezes é quase inevitável querer recordar aquilo que me trouxe até aqui. Quero mesmo reacender a chama e voltar aos momentos de preliminares com os meus trailers e videojogos… às pequenas antecipações que me faziam viver o momento de encontro como Único nos momentos repetidos do meu dia.