Não é preciso estar atento ao mercado indie ou levantar ainda que de forma ligeira as palas nos olhos da aparente estrada-única dos AAA que grande parte do público e media têm para perceber que o apregoado Indiepocalypse é uma realidade, e que a saturação do mercado poderá estar a atingir proporções críticas.

É praticamente impossível estar a par de tudo o que é lançado, e o Steam diariamente prova-nos isso, com muito entulho a ser lançado que ofusca certamente os bons jogos que ficam soterrados sob quilos de shovelware. Há quem concorde com um maior fechamento dos sistemas de lançamento, coisa com o qual discordo.

A democratização dos sistemas de produção, desenvolvimento e lançamento permitem que haja uma maior experimentação de pequenas equipas de desenvolvimento ou mesmo de aventuras a solo de produção de videojogos. Este acesso democratizado à produção cria, obviamente, um desnível muito grande em termos de espectro de qualidade mas não o é assim em quase todos os os meios culturais?

Há 4 décadas apenas tinha acesso a meios de gravação profissionais um punhado de artistas musicais, quase obrigatoriamente vinculados às condições e estúdios disponibilizados pelas editoras. Nos dias de hoje qualquer músico ou aspirante a músico pode ter na sua casa condições para gravar um álbum com condições profissionais ou semi-profissionais. Quantos álbuns saem por dia, alguém tem ideia? O número é incontável, e certamente que uma pequena percentagem corresponderá, dentro dos respectivos géneros, a óptimas obras.

Esta democratização de produção e distribuição que existe praticamente em todos os meios culturais só vem cimentar uma necessidade crescente: a de umas eficaz e sólida curadoria de conteúdos. Esta curadoria não é assunto recente e sempre existiu ainda que de forma mais ou menos evidente. Fossem os programas de rádio independentes que seleccionavam os conteúdos e os apresentavam aos ouvintes, seja no caso dos videojogos a confiança na opinião de dado crítico, jornalista ou entidade.

Esta curadoria é mais necessária do que nunca. Com tantos jogos a chegarem ao mercado e com as redacções (como é o nosso caso) a transbordarem de pequenos jogos indies que chegam para ser jogados, existe uma notória necessidade de fazer uma separação qualitativa das centenas de jogos que são lançados no Steam semanalmente. Um bom exemplo disto é um grande jogo indie sobre o qual escrevemos aquando do lançamento chamado Life Goes On, e sobre o qual o seu autor publicou recentemente no Gamasutra para avaliar a margem de exposição dentro da saturação do mercado.

Se por um lado acreditamos piamente nos benefícios desta democratização e da eficácia da curadoria enquanto charneira de acesso ao público, reconhecemos que existe um tremendo problema da saturação do mercado, que é o da submersão de bons jogos, que há uma década teriam todo o espaço mediático para brilhar em toda a sua qualidade.

Dois exemplos claros disto foram Oceanhorn e Death Squared. No caso do primeiro, contactámos com ele há dois anos, na altura em que chegou ao Steam, e já um tempo depois de ter sido lançado em plataformas mobile, esse que é possivelmente o mercado  mais saturado de todos. A qualidade de Oceanhorn é evidente, assim como foi instantaneamente perceptível que praticamente ninguém tinha falado dele.

O segundo caso é mais recente e dá pelo nome de Death Squared. Falámos dele há meses quando foi lançado no Steam, e figurou à época como um dos jogos mais simples e com maior potencial de diversão cooperativa.

Qual o ponto comum destes dois jogos? É que só ganharam o destaque mediático que mereciam durante os seus lançamentos recentes para a Switch. Poucos ou nenhuns artigos foram produzidos pelos incontáveis media online até ao seu anuncio e lançamento na Switch. E aqui existem duas explicações possíveis, sendo que a primeira delas é avançada num excelente artigo sobre a produção indie francesa no Le Monde. O factor “concorrência” é ainda um elemento fugaz na Switch, com os seus 5 meses de idade, o que significa que o número de jogos disponíveis entre produções AAA e indie não ultrapassou a centena títulos. Se quase todas as plataformas de lançamento estão saturadas, a Switch ainda não se encontra neste momento, o que significa que qualquer título lançado tenha de forma pragmática menor embate no espaço de venda na loja digital da consola. Cientes desta realidade, o número exponencial de estúdios indie a requisitarem kits de desenvolvimento à Nintendo tem crescido ao ponto da marca não conseguir dar vazão a tantos pedidos.

O segundo motivo surge de uma certa forma de curadoria que a própria Nintendo opera dentro das suas plataformas. Há um grande controlo da companhia do que é lançado nas suas consolas, o que é perceptível até pelo esforço da empresa na comunicação com os media. A Nintendo entrega semanalmente a cada meio com o qual tem um ligação um pequeno documento onde inventaria todos os jogos lançados nesse período, com informações simples tal como o preço, para além de um contacto directo para pedir uma cópia de análise, passando também até há alguns meses com a própria divulgação e distribuição de códigos de análise de jogos indie pela própria Nintendo.

Este hábito da companhia era uma quase garantia de que dado jogo, por muito indie ou pequeno que fosse acabaria por ser falado pelos meios com o qual a Nintendo contacta. Sem julgamentos de valor, a realidade é que muitos dos media amadores (como é o nosso caso) nacionais e internacionais limitam o seu conhecimento, tempo de exposição e comunicação ao que lhes é colocado no prato. A Nintendo trazer para a mesa cópias de análise de pequenos indies das suas consolas era mais de meio trabalho feito para muitas redacções que de outra forma nunca o fariam, e indicava de forma quase certa que a maioria dos meios que pouco mais conhecem do que aquilo que as mãos gigantescas das grandes companhias lhes mostram acabariam por jogar e dar conhecimento ao seu público destes indies.

O sucesso da Switch pode ser a razão pela qual a saturação que se encontra em praticamente todas as plataformas se venha um dia a estender para si mesma. Até para os mais distraídos isso aconteceu com a Wii U, onde semanalmente eram lançados até dez novos indies, muitos deles exclusivos, mas que mesmo assim dificilmente ganhariam destaque num ecossistema onde até os grandes títulos sofriam para vender de acordo com as expectativas.

Numa época de ultra-saturação a Nintendo Switch pode ser a resposta que os devs indie procuram para pelo menos chegar ao break-even das suas produções. Durante quanto tempo a Switch poderá ser a tábua de salvação do submercado é algo que só conseguiremos perceber em alguns anos. E teremos de avaliar se demasiados braços a tentarem chegar à tábua de salvação não a farão deixar de o ser.