Algo ser simultaneamente profundo e superficial é uma ideia tão paradoxal quanto um trumpista inteligente. Mais do que ser uma prova de sucesso, Absolver mostra-nos essa região desconhecida da compreensão onde diversas coisas boas não fazem uma coisa boa por si só.

Absolver é um complexo jogo de artes marciais que mistura PVE com PVP, e que decerto captou a atenção de todos com uma direcção artística forte. O nível de qualidade e profundidade que o estúdio Sloclap imprimiu mas mecânicas de luta deste jogo é algo que deixa muitos jogos AAA envergonhados, e é possivelmente um dos mais fortes alguma vez desenvolvidos para o género dos action RPGs.

Desde o pequeno tutorial que percebemos que a linha condutora deste jogo e ao mesmo tempo a sua grande mais-valia são as danças quase perfeitamente coreografadas que protagonizamos com os nossos oponentes, à medida que nos defrontamos pelas ruínas deste mundo. Cada passo, movimento, ataque, deflexão parecem ter sido mimetizados dos melhores momentos da genialidade marcial de Bruce Lee e tantos outros artistas que compuseram (e compõem) o nosso imaginário colectivo.

Nem o tutorial, nem a primeira hora de jogo são suficientes para conseguirmos sequer atingir o quão intrincada é a rede de movimentos e combinações possíveis em Absolver. Para além do encadeamento possível de golpes que podemos fazer e que dependem de uma espécie de deck-building de movimentos construídos por nós, temos ainda que contar com a necessidade de atingir a mestria de mudança de stance de luta, das quatro disponíveis a qualquer momento.

A direcção artística é outro do elementos que nos arrebatam de imediato. Ainda que a sua construção narrativa seja pouca ou nenhuma, a estruturação visual do mundo de Absolver é soberba, onde as ruínas e esta paisagem desabitada são momentaneamente polvilhadas pela nossa presença e dos restantes guerreiros-monges que se cruzam no nosso caminho para testar bravatas.

A decisão de todos os personagens usarem máscaras descaracterizadas confere a Absolver a aura de abandono e isolamento que a sua paleta de cores e os seus cenários querem transmitir. Uma reinterpretação dos célebres momentos da filmografia kung fu dos anos 1970 e 1980 onde os duelos corpo-a-corpo aconteciam no meio do silêncio e das paisagens isoladas.

A possibilidade de nos cruzarmos com outros jogadores nesta nossa escalada pelo cenário é reminiscente de Journey, mas as semelhanças com a aclamada obra da thatgamecompany não se ficam por aí ou pelos laivos estéticos comuns a ambos os jogos. Também a banda-sonora é obra do mesmo compositor, Austin Wintory, o que ajuda a criar os paralelismos devidos entre ambos os jogos.

A falta de comunicação verbal é outra descendência de Journey, mas a interacção entre jogadores não é obrigatoriamente cooperativa. Sempre que nos cruzamos temos a possibilidade de auxiliá-lo contra os NPCs ou simplesmente de aproveitar para o atacar, e essa decisão cabe apenas a cada jogador.

Com tantos bons elementos que Absolver possui, o facto de estes não compreenderem uma obra de boa qualidade como um todo deve-se à notória falta de conteúdo. O modo PVE não é mais do que um ambiente preparatório para o nosso mergulho no sistema PVP, e aí, dentro daquilo que é a grande complexidade mecânica do jogo, ficamos reféns da existência ou não de outros jogadores.

Absolver é um bom esqueleto de algo que atingiu um extremo patamar de qualidade mas que dentro da sua complexidade ainda parece altamente superficial. O seu nível de conteúdo faz-nos aproximá-lo de uma versão quase prototipal de um jogo mas com um  nível de polimento tal que parece um jogo terminado. Mas não é, e está longe disso. Estão aqui os excelentes pilares do que poderá vir a ser a derradeira experiência de transposição de artes marciais para videojogo, mas até chegarmos a esse estatuto ainda há muita pedra para partir.