Não sei qual a vossa opinião no assunto, mas a minha sempre foi clara: no momento em que uma nova equipa de desenvolvimento começa um novo projecto fico sempre mais agradado quando se levanta a mesa e muda a toalha, se tira o quadro do cavalete para nele colocar uma nova tela em branco, em vez de usar os mesmos pratos e talheres, ou pintar detalhes numa pintura onde estes não são precisos.

A minha opinião relativamente ao quanto gosto dos jogos da Supergiant Games foi sempre, numa escala de zero a dez, cinco: se Transistor é um dez, Bastion é um zero. Não expressa porém o valor que lhes dou às suas partes, quem sou eu para questionar o valor da banda sonora, jogabilidade e arte de tanto Bastion como Transistor, mas é irrevogável que a homogeneidade da obra presente no último indicado não se encontra de igual forma no primeiro.

Transistor em todo o seu esplendor

Em Transistor os sistemas são interessantes, inovadores e a jogabilidade, apesar de construída sobre uma premissa que deveria abrandar o combate (barra de espaços para parar o tempo e programar uma sequência de ataque quasi-instantânea) num jogo de acção vem apenas conferir-lhe o equilíbrio necessário para uma experiência que tem tanto de táctico como aquilo que aparentava ter de acção, beneficiando dos dois sem em momento algum aparentar disjunto. Segundo esta (e apenas esta) linha de raciocínio, acaba por ser um pouco daquilo que em 2002 tentaram fazer com Kingdom Hearts (PS2) ao colarem no canto inferior esquerdo do ecrã de jogo um menu navegável em tempo real num hack’n’slash, mas depois era inconcretizável sem, das duas uma, acrobacias sobre o DualShock 2 que poderiam resultar em cãibras ou recorrer a um de três shortcuts pré-programados.

#TheClaw

Ponham estes três últimos parágrafos juntos (tal como todos os outros motivos que não partilhei – é um artigo sobre Pyre, não é?) e entendam o meu entusiasmo pelo mais recente jogo da Supergiant Games.

Para ser breve e não me estender demasiado, Pyre é o tipo de jogo que apela por default àqueles que gostam de jogos de desporto e histórias fantásticas, i.e.: o gajo que no recreio não falhava um jogo de bola mas andava com Tolkien debaixo do braço 24/7 (não torçam os narizes, eu sei que eles andam por aí!). É um twist de géneros interessante, uma espécie de tosta mista de Sports Game e Visual Novel com folhinhas de skill trees e aquele azeite de main character muda (para alérgicos recomendamos substituir por orégão e manteiga). E claro, sendo produto da Supergiant Games, imaculado nas suas partes: a arte é espetacular, tanto os recintos de jogo como o mundo onde a história desenrola, do melhor já visto no meio; mais uma banda sonora para acrescentar às playlists.

Overworld de Pyre. Esta cena corre toda em real-time!

As personagens são interessantes, com passados por desvendar que explicam o seu carácter e motivações, todas tão variadas quanto lhes é permitido. E é interessante ver como as suas características, tanto físicas como psicológicas, estão sincronizadas com o seu desempenho e performance no campo de bola. Ainda sobre o jogo de bola aqui em questão, vão pelo nome de Rites, sendo que o objectivo é levar, com a nossa equipa de três personagens, uma bola despojada no centro do campo até ao Pyre do adversário (ou, se preferirem, baliza).

O jogo é fácil de pegar e denso o suficiente para distinguir os jogadores pela sua perícia, o roster de personagens bem desenhado o suficiente para construir redes de vantagem/desvantagem entre elas (i.e.: o poder das personagens não é linear) permitindo configurar a nossa equipa de acordo com a equipa adversária, de forma a nos dar vantagem. É uma pena que depois a inteligência artificial das equipas adversárias não consiga acompanhar a qualidade do resto, levando-nos a explorar as mecânicas e encontrar soluções de forma original. A escolha da minha equipa foi constantemente baseada na empatia que tinha pelas personagens em vez da vantagem que me daria. Existe mais um nível de dificuldade acima do médio, mas fico ainda assim triste com a inteligência dos adversários. A opção ‘Local Multiplayer‘ chapada no menu principal é bem-vinda.

Rites a.k.a. Jogo da bola

Até as próprias convenções dos géneros intervenientes são postas em causa: a história desenrola à moda de uma visual novel e é bastante bom ver a adição de palavras highlighted que podem ser seleccionadas (colocando o cursor por cima) para obtermos mais informações, bastante útil para as noites de jogo mais longas, onde todos os nomes de vilas fantásticas se assemelham a Balelelândia. É bom ver outros estúdios a iterar sobre géneros que não lhes são nativos, e é nestas pequenas ideias que se torna visível (ver primeiro parágrafo e tecer ligação com a última ideia exposta).

80% do tempo em Pyre é passado assim. Quadrado, Quadrado, Quadrado.

O que não me levou a jogar Pyre com a atenção que merecia foi, das duas uma, ou a minha falta de interesse por todos os géneros envolvidos, ou a elevada profundidade do combate, lore, história e background de personagens. Pessoalmente julgo que os grandes jogos nascem não dos solos de guitarra excessivamente técnicos mas de muitas pequenas ideias geniais juntas na mesma caixa. É sobre ser perceptível, é sobre ser relacionável, é por conseguirmos identificar a nós e o mundo que nos rodeia na visão dos criadores. Mas nestes casos sobra um papel ingrato para o crítico: não há um erro técnico grave ou algo em que Pyre falhe redondamente, mas para mim pareceu-me demasiado de tudo e por isso não me apeteceu de nada. E não há banda sonora ou screenshots bonitas que o salve, nesse caso.