Algures nos primeiros meses do milénio o meu corpo sofreu algumas mudanças drásticas. Não me refiro aos pêlos nem à mudança de voz, que essa ocorreu em 1998, acompanhada de um dos mais nojentos casos de acne que eu já conheci. Em 2000 existiam uma série de frustrações e teen angst reprimidas que não eram resolvidas pelo minha existência melancólica de único gótico da escola secundária. O metal ajudava a extravasar algumas coisas, as poluções nocturnas outras tantas, mas aquilo que funcionou melhor do que qualquer anti-depressivo da moda respondia pelo nome de Quake 3 Arena.

Apesar de não jogar online, nem em LAN, ligar Quake 3 Arena e ir para uma sequência de menos de uma hora de acção contra bots, contar com reflexos rápidos e puxar pelos instintos primordiais à velocidade que Carmack e as suas produções nos habituaram, era o escape que precisava, com a aparelhagem a encher-me o quarto com Cradle of Filth ou Dimmu Borgir a compor o resto do bouquet de testosterona.

Quando Quake Champions foi anunciado, com os seus autores, os membros da id Software, a enunciarem à sua obra a paternidade daquilo que conhecemos como eSports, tive de concordar de imediato. Ainda que a minha experiência com Quake, especialmente o 3, se tenha resumido a uma luta diária à hora-marcada com a IA do jogo, num battle royale cheio de respawns, a lógica e o caminho aberto para Team Fortress e Overwatch foi sem sombra de dúvida pavimentado pelo pai de todos, Quake.

Mais do que ficar feliz com este regresso de Quake, o seu anúncio deixou-me uma série de dúvidas sobre a capacidade de adaptação da id Software ao mercado contemporâneo e a que visão de adaptabilidade teriam já sem John Carmack como timoneiro do barco e da série.

Quake Champions quer ser o ponto-médio entre os FPS clássicos e esta nouvelle vague de jogos feitos com o intuito de explodirem no mercado dos eSports. Lançado há semanas em Early Access no Steam, sabe-se de antemão que aquando do lançamento final o jogo será free 2 play, mas quem o adquiriu antes desse período acabará por ter os personagens desbloqueados no seu jogo.

A velocidade continua a ser o ponto alto de Quake, e aquele que nunca poderia ser sacrificado. Tão rápido nos deslocamos em direcção aos pontos de encontro dos diversos jogadores, como rapidamente morremos, sabendo ou não o que nos atingiu. O respawn é quase imediato, garantindo assim que os minutos de jogo são praticamente todos momentos de acção sem interrupções. Ter temporizadores de respawn quebraria o ritmo frenético de Quake Champions e seria uma das piores decisões mecânicas de um jogo que quer ter os seus jogadores em constante movimento.

Contrariando a lógica de Quake mas servindo o seu propósito de ser combativo na frente dos eSports, Quake Champions possui personagens diferentes com habilidades distintas que lhes permitam diferenciar-se ligeiramente em combate.

Mas aquilo que tenho sentido nestas primeiras semanas, é que as habilidades únicas acabam por ser mais circunstâncias, e é tão próxima a forma como todos os personagens agem entre si que o elemento diferenciador é sem dúvida a qualidade do jogador que os controla.

Até agora Quake Champions conseguiu trazer o furor e a acção e animação puramente primordiais e emotivas que senti com Quake 3 Arena, e isso é um grande elogio a este jogo que ainda se encontra em beta. Mas antevejo que será difícil para Quake Champions conseguir sequer causar cócegas a Overwatch, numa era em que a geração de jogadores que corresponde a grande parte da comunidade afecta aos jogos que também são eSports têm uma lógica de classes e papéis muito instalada em si.

Quake Champions não tem classes, nem papéis, tem personagens diferentes que têm todos o mesmo objectivo: mata o máximo de adversários possíveis a grande velocidade. E para além de morrerem, essa capacidade de matar é idêntica a todos.