As saudades dos jogos de Layton estão finalmente aplacadas. Depois do seu lançamento há alguns meses para iOS e Android, felizmente que o anúncio de Layton’s Mystery Journey: Katrielle and the Millionaires’ Conspiracy (doravante referido como Katrielle para simplificar) para 3DS fez-se rapidamente ouvir para acalmar as multidões em fúria que ansiavam por regressar a este mundo da Level-5 nas suas portáteis da Nintendo.

O início desta nova série mostra-nos que a tentativa da companhia nipónica de dar algum espaço de respiração aos protagonistas dos títulos originais. Hershel Layton passa o manto a Katrielle Layton, a sua filha e protagonista deste primeiro (?) Layton’s Mystery Journey, acompanhado pelo seu fiel companheiro Ernest e o cão que fala Sherl O.C.K.

Por toda a aura britânica tão bem-conseguida em todo o jogo, a minha reacção à revelação deste spinoff lembrou-me automaticamente o anúncio de Jodie Whitaker vestir a pele do Doctor a partir do especial de Natal de Doctor Who. Há um paralelismo em toda a dinâmica das duas séries (para além do pano de fundo londrino) que tornou esta ligação quase imediata na minha cabeça, mas também pode ser a voz do whovian a falar muito alto.

Akihiro Hino (que entrevistámos há poucos meses para o Observador) foi inteligente em criar nuances no elenco deste novo título e espalhar algum espalhafato e comic relief pelos três personagens principais. Katrielle é potencialmente tão genial quanto Hershel Layton, mas foi construída como sendo menos metódica e por vezes mais cómica pela sua insaciável fome equiparável a personagens como Goku ou a Luffy. O que é logo algo de invejar ainda que a personagem seja fictícia, vendo a linha da protagonista e lembrando-me do quanto tenho de sofrer no ginásio para perder uns quilos a mais.

Mas voltando a Katrielle: existe também aqui uma diferença de dinâmica. Se o Professor e Luke têm o clássico relacionamento de mentor e pupilo, Katrielle tem uma relação similar com Ernest ainda que este possua uma tensão amorosa não declarada pela sua mentora.

A animação, a direcção artística e musical estão no patamar de excelência que esperaríamos de um Professor Layton e da Level-5. O jogo é visual e musicalmente soberbo, deixando-nos constantemente na ânsia de vermos mais um vídeo animado de interlúdio.

O pior é que passando as similaridades com os títulos anteriores e a excelência artística, Katrielle impõe uma série de mudanças que levam o jogo para um patamar mais baixo do que qualquer outra iteração até hoje. Todos os seis jogos de Layton e o spinoff com Phoenix Wright conseguiram manter uma qualidade e coesão de escrita que nos deixa vidrados do primeiro ao último instante. Mas em Katrielle a decisão de criar uma estrutura quase monster of the week, em que cada um dos 12 casos é uma história isolada acaba por servir como dissociação para com o mundo que ali está a ser representado. Esta decisão episódica parece beber da influência de Phoenix Wright, mas com uma terrível diferença de execução: no caso do jogo da Capcom há uma mestria literária em construir um arco (ainda que inicialmente subtil) cuja conclusão faz reconhecer toda a estrutura como algo uno. Em Katrielle os casos são excessivamente herméticos entre si e a ambição de reproduzir o efeito Phoenix Wright ficou totalmente derreado ao criarem o grande arco narrativo apenas nos últimos casos, fazendo com que grande parte do jogo seja desconexo entre si.

O facto de todos estes casos se passarem em Londres acaba por ser outro dos calcanhares de Aquiles de Katrielle. Depois de mais de uma dezena de casos quase todos percorridos nos mesmos espaços, lembramo-nos de imediato a frescura evolutiva dentro de cada jogo de Professor Layton e que aqui não é sentida.

Já que existe uma óbvia inspiração em Phoenix Wright, e pegando na temática cerebral de todo jogo, acho que foi uma oportunidade perdida a conclusão de cada caso não ser encontrada por nós, através de sistemas mecânicos de dedução, ao invés de serem magicamente encontrados por Katrielle após encontrarmos as 6 peças do puzzle que constituem o caso.

A qualidade dos puzzles é outro ponto onde se nota uma queda, e muito graças à morte do autor dos puzzles dos jogos anteriores, Akira Tago, que faleceu o ano passado com 90 anos de idade. Os novos designers tentaram manter a mesma linha de raciocínio dos geniais quebra-cabeças inventados por Tago mas cederam a um tom excessivamente próprio, em que a maioria dos puzzles gira em torno de rasteiras e de pequenos trocadilhos de palavras do que propriamente raciocínio lógico.

Juntemos a isto o facto de que o jogo saiu há alguns meses por 19,99€ em iPad e que chega agora à 3DS pelo dobro, fazendo-nos reflectir sobre a viabilidade das versões e a nossa reconhecida paixão pelo mundo de Layton.

O elenco, como poderíamos esperar de uma criação da Level-5 é extremamente memorável e parece existir uma grande margem de progressão para que os títulos subsequentes limem as arestas narrativas e mecânicas, possivelmente com uma aproximação maior à fórmula que tornou Layton o sucesso que é.

Katrielle (o jogo) faz imensas coisas bem e consegue manter parcialmente o espírito da série Layton, mas é indiscutivelmente o jogo mais fraco da série, e aquele cuja tensão e gancho menos se sentem ao longo de toda a sua duração.