E talvez a culpa seja da Valve…

Provavelmente da EA também…

Mas de certeza que é culpa nossa. Disso não tenho dúvidas.

Estou farto da indústria dos videojogos. Mesmo a chegar ao meu ponto de ruptura, aquela altura em que noutros assuntos e temas da minha vida eu simplesmente digo “****-** para esta ***** toda!” e largo tudo. Uma espécie de “hulking out” metafórico e literal em que me passo da cabeça e mando tudo com o *******!

Não estou farto de jogos, estou farto da indústria em volta dos jogos. Sou do tempo em que videojogos ainda não eram uma indústria, eram um passatempo de um nicho muito específico, feito especialmente por pessoas que tinham uma paixão pelo que faziam, para pessoas que a partilhavam. O que faziam era uma obra dessa mesma paixão. Agora não, como tudo o resto foi mastigado pelo marketing e comercialização, tornou-se uma máquina de fazer dinheiro que espelha apenas a sua origem, tal como futebol e o cinema, cuja função principal é mover e fazer dinheiro.

O meu problema, pelo qual culpo a EA, Valve, Blizzard e nós os consumidores entre outros, vem ao de cima porque estou a ver chegar o ridiculo de vendas adicionais cada vez mais rápido e generalizadamente. Dois jogos a que fiz análise mais recentemente são um bom sinal do caminho para onde seguimos, o abismo que se aproxima cada vez mais rápido e os travões estão a falhar…

Quando comecei a comprar jogos, existia um ritual: Tinha que levantar o rabo do sofá, ir a uma das poucas lojas que os vendiam (primeiro no Centro Comercial Apolo 70 ou Gemini perto de Entrecampos para a minha NES e anos mais tarde no Fonte Nova em Benfica para outras consolas) e isso dava trabalho, portanto para o fazer, eu e os meus irmãos tínhamos que ter uma razão, que era um jogo, completo, feito na sua totalidade. Acabado. As consolas, os PCs não tinham ligação à Internet e não havia patch disto e daquilo, DLCs ou mais nada. Comprávamos um jogo a sério porque os produtores apenas lançavam no mercado algo que sabiam que ia ser comprado.

Depois veio a Blizzard, com as suas expansões para Starcraft e Diablo. O que eu agora chamo o princípio do fim, e elas eram boas não vou negar isso, davam um conteúdo adicional decente ao que já tínhamos acabado, também valiam a pena comprar. Quando a Valve abriu o Steam e de certa maneira tornou a comercialização digital dos jogos massificada, abriu as comportas das expansões ao comodismo da não deslocação física, do poder ficar em casa em simplesmente ter as coisas instaladas no nosso PC. Começaram a aparecer cada vez mais expansões, mais patches, mais jogos inacabados ou com “conteúdo adicional” nasceram os DLC!

Depois disso, acho que o abuso dos DLC começaram a aparecer nas consolas da geração “3” como lhes chamo, a PS3 e a Xbox 360. Das subscrições Live e Gold, vieram os season pass, packs exclusivos, packs de visuais e outros vazios de… bem tudo… Há excepções como, para já, os The Witcher e mais alguns, mas esses cujas expansões realmente acrescentam algo a um jogo que foi lançado completo, contam-se pelos dedos das mãos. Hoje estamos num ponto em que jogos de “preço completo” têm conteúdo adicional pago, constante e sem sentido como os Loot Crates ou seja lá como lhes querem chamar no jogo em questão.

Recentemente foram lançados 3 jogos AAA que me estão atravessados no goto por causa de compras e conteúdo adicional pós-pago e microtransações, ainda por cima gosto bastante de dois deles. Jogos cuja versão base custa no mínimo €50. Não são free-to-play, não são pay-to-win, são só e simplesmente pay-cause-we-iz-stupid-sheep. Forza Motorsport 7, NBA2K18 e Middle-earth: Shadow of War são exemplos perfeitos do futuro possível dos videojogos. Já há muito que temos várias edições de jogos, do mais básico às platinum, ultimate, ou outro nome fixe e que pareça que valha a pena dar mais dinheiro para as ter e aos seus extras. Mas estes, além de terem essas versões, têm mais gastos, ao ponto que para coisas tão parvas como um estilo de corte de cabelo específico no nosso personagem no NBA é preciso comprá-lo ou seja o que for que não seja o mais básico possível e que já pagamos. Podemos sempre dar €140 pela versão mais “completa” dele? É só dinheiro… Mas porquê gastar esse dinheiro? O que tem a edição Legend Gold para valer duas vezes mais a edição Legend ou três vezes a mais simples?

Créditos. Umas camisolas e não sei quê e créditos na “moeda” do jogo para comprar ******. Que nem sequer dão para comprar tudo de certeza. Sabem porquê? Porque se desse, era isso que vinha na edição. Tudo desbloqueado. Full, unlimited extras. Mas não. São só créditos suficientes para comprar quase tudo à grande e americana e depois faltar para o que realmente importa. E aí, carrega-se mais nas microtransações.

Mas este é apenas um dos modelos, temos o de Forza Motorsport 7 no qual a Microsoft, aparentemente, se esqueceu de informar a quem comprou antecipadamente o pack VIP, que desde a sua criação duplicava todos os pontos conseguidos no jogo (algo muito útil para quem gosta de comprar carros) estava diferente, e que apenas teriam acesso a esse bónus 25 vezes em corridas à sua escolha e não como um feature constante. Depois de um backlash enorme por parte dos fãs, a Turn 10 fez inversão de marcha e anunciou que irá alterar o jogo num patch próximo para que os compradores de VIP tenham os seus pontos duplicados e “deram” um milhão de créditos e mais uns carros exclusivos enquanto não corrigem a falha, mas apenas fizeram isto depois de alterarem o texto na página de vendas especificando o que não tinha sido claro. Por alguns foi considerado um acto positivo, mas enganem-se se acham que o próximo Forza Motorsport ou Horizon vai ter essa benesse. Isso acabou, no próximo o texto não vai deixar margem para dúvidas, vão depender de loot boxes para os extras e multiplicação de pontos e essas loot boxes de certeza que vão ser compradas com dinheiro a sério. A mudança para este modelo aqui é puramente um teste, quem gosta de Forza gosta de ter uma boa colecção de carros e todo a estrutura actual é para que o jogador ganhe o mínimo de créditos possíveis para ser parcialmente forçado a gastá-los na roleta das caixas tal e qual o modelo de jogos freemium nos mercados mobile.

Mas talvez o pior de tudo seja Middle-earth: Shadow of War, um jogo com um dos sistemas (Nemesis) mais fascinantes e inovadores que vi recentemente e conseguem estragar tudo porque temos, mais uma vez, microtransações e loot boxes. Aqui é pior porque não é para ter conteúdo exclusivo já que tudo o que pode ser “ganho” nas caixas está acessível no jogo, não é para para ter acesso a zonas ou níveis exclusivos, é para ser preguiçoso. Há uma opção de comprar XP. PONTOS DE XP a dinheiro, já se comprou um jogo e podemos pagar mais para não o jogar? Para ser mais fácil e ter tudo mais cedo? Então para quê comprar o jogo?

Talvez seja a minha mentalidade antiquada e que tem gosto em conseguir algo através do esforço e trabalho, mas não consigo entender o prazer de comprar algo num jogo que acaba por evitar jogá-lo.

A nossa incapacidade de ir contra o sistema actual e crescente, a nossa apatia para com o “o que vamos fazer? É como as coisas são!” faz ecoar na minha cabeça as palavras de Martin Niemöller.

“Quando os nazis vieram buscar os comunistas,
eu fiquei em silêncio;
eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas,
eu fiquei em silêncio;
eu não era um social-democrata.
Quando eles vieram buscar os sindicalistas,
eu não disse nada;
eu não era um sindicalista.
Quando eles buscaram os judeus,
eu fiquei em silêncio;
eu não era um judeu.
Quando eles me vieram buscar,
já não havia ninguém que pudesse protestar.”

Longe de mim querer comparar o estado de vendas de videojogos a um dos piores momentos da história da civilização ocidental, mas infelizmente é um espelho de como a nossa complacência é enorme quando não nos afecta directamente, ou quando o que afecta é gradualmente suave e disfarçado, até ser tarde demais. Infelizmente não é só nos videojogos que isto acontece, é em tudo.

Estamos cada vez mais perto de um ponto em que compramos um jogo de plataformas e temos que pagar extra por cada salto que damos com o nosso personagem. Daí a ter que controlar milimetricamente cada consumo da nossa vida em créditos pode parecer algo de uma distopia de ficção científica mas talvez a nossa realidade não esteja assim tão longe como isso.