Fumito Ueda ensinou-nos muito com todas as suas obras. O amor é o fio que une as suas criações, a trama delicada que une toda a sua obra e que nos envolve o coração em cada um dos jogos criados por si é mais determinante de uma franja do mercado do que muita gente possa perceber. A influência de ICO e de Shadow of Colossus é tão grande que é pacífico dizer que ficou impressa em nós e numa geração de jovens autores que trazem essa marca incandescente para as suas produções.

Esta história dos jogos indie serem uma nova forma de contar histórias já começa a ser história antiga. Tanto que a necessidade de ir buscar a anáfora para deixar bem impressa a necessidade de perceber que a palavra “história” é o cerne de toda este artigo, como se houvesse alguém que neste momento ainda não o percebesse.

Fall of Light demonstra, logo à primeira vista, que o tamanho não é de todo encomenda. O estúdio RuneHeads é constituído por apenas duas pessoas, que, bravamente, se propuseram a casar de forma invulgar ICO com Dark Souls.

Se nos dias que correm espetar um selo de “coisa que se parece com Dark Souls” já não tem o mesmo impacto que teve há um par de anos, o que salta logo à vista nos primeiros minutos é o quanto a obra de Ueda inspira esta dupla de developers, com o devido abismo de qualidade entre as duas produções.

Em Fall of Light somos um veterano guerreiro chamado Nyx que tenta levar a sua filha Aether para o último local na Terra que ainda possui luz solar. O desafio de Fall of Light, ao juntar estes dois elementos aparentemente distantes mas próximos em termos de ambiente, é que ao desafio tremendo do combate somamos um jogo que é na sua inteireza uma missão de escolta, mas não daquelas frustrantes que são criadas em muitos open worlds apenas para nos frustrar e para nos roubar o amor que possamos sentir pelos videojogos.

O combate é idêntico ao que os muitos jogos de Hidetaka Miyazaki e os demais clones trouxeram para o nosso conhecimento colectivo. Atacar, bloquear, rolar, aprender padrões, aproveitando cada oportunidade para desferir um pouco de dano sem receber nenhum em troca, mas aqui com uma dificuldade adicional: temos de proteger a nossa filha a todo o custo.

Se de início Aether é mais um fardo que um valor (pelo menos para nós, jogadores, já que um pai, como Nyx, nunca veria assim um filho), à medida que o jogo avança ela vai sendo capacitada com habilidades que nos ajudam no combate e que é uma literal luz na escuridão crescente do mundo de Fall of Light, e que vai assumindo o seu peso mecânico (e não só) à medida que ela própria cresce enquanto personagem.

Fall of Light está noutro ponto, na forma em que para a sua escala consegue cruzar com sucesso dois exemplos quase díspares de game design, e tornando-os coesos ao mesmo tempo que quase sem nada para contar, nos dá uma excelente história de amor, daquelas que qualquer um que tenha filhos vai compreender de imediato.

É curioso como de forma subtil e cheia de subtexto, Fall of Light consegue ser mais eficaz a desenvolver uma história de amor tão forte quanto esta, e deve-o, e muito, à aprendizagem e dissecação dos elementos que Ueda criou em ICO para transportar toda essa carga emocional. Ainda que do ponto de vista mecânico e de “género” Fall of Light e ICO não pudessem ser mais distantes.

A história que está aqui a ser contada é o do amor imparável de pais para filhos, aquele amor que faz mover montanhas e que serve de candeia pela escuridão.