É impossível não nos lembrarmos do primeiro jogo que jogámos. No meu caso tinha 4 anos, um amigo emigrante do meu pai tinha regressado do “lá fora” de férias e tinha lá em casa uma NES com o cartucho do Super Mario Bros. Numa visita que fizemos a casa dele para ir beber café, toda a família esteve de volta daquele aparelho mágico que já tinha revolucionado (e definido) o entretenimento pelo mundo fora. Eventualmente lá me passaram o comando da NES para a mão (o único em que tocaria em mais de 10 anos, já que todas as consolas subsequentes que contactei e eventualmente possuí eram os famosos clones da Nintendo, mas com design distintos do original).

E tudo mudou.

Jogar Super Mario Bros. viria a mudar por completo a minha vida, ainda que eu não tivesse percepção disso até umas décadas depois. O alinhamento de factores que partiram daquele preciso momento em que o joguei e que cresceu exponencialmente dentro de mim para se tornar um dos grandes vectores da minha vida.

A percepção da importância das coisas é-nos muitas vezes totalmente desconhecida. Precisamos do devido afastamento de tempo para as reconhecer, ou simplesmente para as deixar implantarem-se em nós e germinarem como uma árvore que se enraíza na nossa própria estrutura.

Basta olharmos para trás na nossa vida e fazermos essa reflexão. Pensarmos no impacto que algo ou alguém teve, e qual a inconsciência disso tínhamos quando aconteceu. No meu caso, aos 15, quando alguém me passou uma cópia do Judgement dos Anathema. Foi amor à primeira audição, mas estaria distante de reconhecer, no auge da minha adolescência, a tremenda influência que aquele disco teria para mim, as literais milhares de vezes que a ouviria (e as muitas milhares que ainda ouvirei, se a vida o permitir) e a forma como isso me alterou, mudou os meus gostos e condicionou, a par da evolução da banda, o progger que hoje sou.

Ou aquele amigo mais velho lá do bairro, dos muitos amigos mais velhos que tinha e que me “educaram” musicalmente”, cujas sugestões únicas o tornaram uma influência forte que só é verdadeiramente perceptível anos mais tarde da sua morte. Ou aquelas palavras (à época) ríspidas e educadores de um avô, que acabaram por ter um efeito definidor da formação da nossa personalidade e da nossa postura futura. Há tantas pequenas coisas que causam um turbilhão na nossa estrutura que só percebemos as réplicas quando paramos para perceber o quanto mudámos e o quanto incorporámos em nós dessas aparentemente inócuas vibrações.

Super Mario Odyssey foi o primeiro Super Mario que o meu filho de 4 anos terminou, justamente com a mesma idade que eu tinha quando joguei SMB. Não foi o primeiro jogo que ele terminou nem tampouco o primeiro que ele jogou. Mas foi o primeiro Super Mario, e jogou precisamente aquele que apesar de não constituir um papel definidor no mercado como outros jogos passados da série o fizeram, mas que é, como súmula de um percurso de mais de 30 anos, o melhor Mario de sempre, precisamente por incorporar o que de melhor a série tem. Super Mario Odyssey é um Best Of que ao mesmo tempo é inédito, o que é à partida o maior dos paradoxos. Mas é-o tendo plena consciência do quão 

Jogámos o jogo praticamente juntos, tanto num sistema de “passar a consola” um ao outro, como em co-op cada um com o seu Joy-Con, mas a batalha final foi ele quem a travou. E venceu. Com tanto que ainda há para descobrir, tem andado a viajar pelos diversos Reinos a descobrir cada vez mais luas numa experiência que apesar de nossa é em tantos sentidos tão dele.

O que nos marca, ou não, é uma incógnita. Tentar comparar o impacto que jogar Super Mario Bros. teve em mim, naquele que foi o primeiro contacto com videojogos da minha vida, visto que ninguém que eu conhecesse tinha sequer um computador, e o potencial impacto que Super Mario Odyssey poderá ter no meu filho é uma variável que ninguém consegue antever. Mas os indícios encontrados na forma como os olhos dele brilhavam quando conseguíamos encontrar a solução para encontrar aquela lua que estava ali mesmo ao alcance da mão mas sem que lá conseguíssemos chegar, dão ao mesmo tempo algumas respostas. Ou no entusiasmo dele quando lhe apresentei Super Mario Galaxy depois de termos “terminado” o Odyssey. Tudo isto é incomensurável nos dias de hoje, e só com o devido afastamento é que ele (e eu) conseguirá perceber o real impacto que teve em si jogar uma obra tão única como o Super Mario Odyssey.

O Mario é o seu companheiro desde que nasceu, ou não fosse este o peluche que nós lhe demos desde que ele nasceu, aquele que ilustra as paredes do seu quarto (e até do berço, quando lá dormia) e até foi a sua máscara de Carnaval. O Mario é o seu herói, é o amigo e o protector desde os primeiros dias de vida, é o sorriso caloroso que conforta o medo do escuro. Mas desta vez o Mario é também o protagonista de um jogo único que partilhámos em conjunto, e que eu vou sempre guardar na memória como o primeiro Super Mario que comecei e terminei lado a lado com o meu filho. Cada momento de descoberta desta Odisseia foi um momento partilhado, e sob risco de soar a tagline comercial, as boas coisas sabem ainda melhor quando vivenciadas com quem amamos.

Não sei de todo o impacto que o jogo vai ter nele, mas não acredito que na sua memória venha a ser apenas mais um jogo que jogou “quando era pequeno”. Sei que para para mim, por tê-lo vivido na íntegra com o meu filho, este Super Mario teve uma magia adicional, de tantas magias adicionais que a série já me deu. E tenho a sorte de perceber já a importância que este momento teve e vai ter em mim.