Ser fã de Pokémon é uma espécie de Síndrome de Estocolmo encapotado. A relação abusiva que sentimos é relembrada com a alegria de jogar um novo título, ao mesmo tempo que a Pokémon Company e a Nintendo nos acenam com uma outra versão que temos obrigatoriamente que comprar.

“Vou apanhá-los a todos” é mais do que o coleccionismo (que adoro) das próprias criaturas: é o acto compulsivo de ter de comprar e possuir toda as diversas versões de cada iteração, com aquelas subtilezas criadas que nos obrigam a tê-las, como ter Pokémon exclusivos inter-versões.

Quem é fã da série sabe que cada geração culmina numa versão definitiva dos jogos base. O Yellow para o Red e Blue, o Crystal para o Gold e Silver, e afins. Cada nova dupla de jogos parecia vir já destinada a ter uma terceira, súmula das anteriores, que adicionava uma coisinha nova e que nos obrigava a comprá-la. Porque tinha Pokémon novos para apanhar, e porque era um jogo novo. Semi-novo, aliás. Mas funcionava.

A última década habituou-nos a um volte-face nesta prática. Desde Black e White que essa prática mudou, e nem Black 2 e White 2 correspondiam a esta lógica de versão definitiva como o Platinum foi para o Diamond e o Pearl. Aqueles que vão ser os últimos jogos para a 3DS (Sun e Moon) viriam, com alguma surpresa minha, a quebrar esta tendência e a criar uma prógenie de mais 2 jogos.

Sun e Moon, lançados há precisamente 1 ano, significaram um grande passo na série do ponto de vista conceptual. Se X e Y foram, para mim, os títulos que criaram as maiores evoluções da série de sempre, foi nesta geração passada em Alola que o tom mudou, acompanhando o setting que revolveu por completo o que sempre esperámos de um Pokémon.

Lançar essa tal versão “definitiva” apenas 1 ano depois da iterações originais não é novidade, nem é a primeira vez que acontece. Porém, há uma ligeira diferença entre aquilo que aconteceu nos jogos anteriores e nestes Ultra Sun e Ultra Moon.

Os últimos trailers apresentados revelavam as (supostas) grandes diferenças entre as versões “base” e as versões “ultra”, com o enredo a descrever um plano paralelo entre ambos. A promessa de uma nova dimensão e um novo seguimento à história já conhecida era uma das grandes motivações que nos impeliam a todos, acérrimos fãs e até meros seguidores casuais, de investir de imediato nas versões Ultra. E ainda que essas diferenças existam, parece-me que surgem demasiado tarde no jogo, demonstrando que estas dimensões paralelas foram adicionadas de forma muito pouco criativa, e serviram quase como mera justificação para vender mais uns títulos.

Ora, qualquer jogador de Pokémon sabe à partida que a sua primeira playthrough, não é, verdadeiramente a única. É frequente que comecemos o jogo do início apenas para poder ter opções múltiplas, capturar Pokémon cujas nossas escolhas podiam tornar outra criatura mutuamente excluída, ou apenas pelo prazer de coleccionar starters.

Não sei quanto a outros jogadores, mas em cada iteração é frequente que eu pegue numa versão e que ela venha a ser a “principal” enquanto que a segunda cópia sirva para estas aventuras, para transferir Pokémon e para começar de novo. Ainda há muito pouco tempo, e com a já mencionada descoberta da paixão do meu filho pela série, decidi fazer reset à minha save do Pokémon Sun e permitir que ele começasse o jogo sozinho, que escolhesse o seu starter e que enveredasse na aventura por si mesmo, ainda que com a minha supervisão.

Quando recebi a cópia de Ultra Sun para análise, tal é a minha surpresa ao perceber que a abertura era rigorosamente igual. As primeiras horas são praticamente iguais, tirando as incursões e interacções com Dulse e Zossie, os dois misteriosos personagens que surgem (notoriamente vindos de outra dimensão) e que vão constituindo algumas das diferenças entre o jogo “original” e este. As prometidas mudanças, apregoadas e repetidas em trailers multiplicados pela internet lá ficam, ao fim do caminho, tarde demais para que no fundo não deixemos de nos sentir levemente enganados.

Ou não.

O Síndrome de Estocolmo tem destas coisas. Acho que não perdoaríamos isto a praticamente série alguma. Dificilmente teríamos vontade de comprar praticamente o mesmo jogo, 12 meses depois, e fá-lo-íamos de bom agrado. Mesmo eu que, ainda que tenha recebido cópias de análise, sentir-me-ia altamente compelido a comprar, porque essa é a magia e a maldição de Pokémon. É uma máquina de fazer dinheiro e quem a gere sabe disso.

A fidelidade e a lealdade têm destas coisas. A Nintendo e a Pokémon Company sabiam que não precisavam de demarcar desta forma aqueles que são oficialmente os últimos dois títulos para uma consola tão importante como a 3DS. Podiam ter fechado a porta de forma mais estrondosa, memorável, que não um mero reutilizar de uma boa geração e aproveitamento financeiro do quão fiéis nós (porque não me consigo demarcar dessa mole humana) somos em relação a Pokémon.

Que isto sirva pelo menos como impulso financeiro para uma nova revolução na série, desta vez na consola híbrida atípica que é a Switch. Que ainda que reclame fecho agora este ficheiro e volto à minha viagem pelo Ultra Sun, sabendo que no tempo que falta até à próxima geração ainda tenho muitas incursões à minha espera no Ultra Moon. Já dizia a outra senhora, não se pode lutar contra a luz da Lua.