Depois de termos jogado Erica no Paris Games Week e de termos ficado verdadeiramente surpreendidos com o que este jogo/filme interactivo promete, aproveitámos a vinda de Jack AttridgeDiretor da Flavourworks e de Pavle Mihajlovic ao Lisboa Games Week, para conversarmos um pouco com ele sobre a sua grande promessa para 2018.

Jack Attridge

Quando testámos o vosso jogo em Paris, achámos que era algo inovador e alternativo, que acham acerca disso?

Jack Attridge: Toda a nossa filosofia nisto era que se íamos criar uma companhia juntos, tínhamos que fazer algo que saltasse à vista, porque se aparecessemos com outro First Person Shooter, outro jogo VR, provavelmente iríamos ser derrotados logo de início. É um mercado muito difícil agora, a minha experiência é em cinematografia e tivemos a ideia de casar jogos e filmes live-action, a razão para isso foi porque adoramos jogos, mas é triste não partilhar isso com a família e amigos que não são gamers. Porque acham que ter 12 botões num comando, lembrarem-se onde estão e o que fazem é complicado. É preciso um nível de perícia bastante alto para alguns destes jogos, e são habitualmente sobre explorar ambientes 3D correndo de um lado para outro aos saltos e tiros que em termos de conceito e conteúdo pode alienar outras pessoas habituadas a dramas na Netflix, com nuances e conflitos internos, e quisemos explorar isso num videojogo.

Mas para isso tivemos que construir a tecnologia de raiz que dá uma capacidade de transição sem falhas entre filme e jogo, tivemos que repensar a nossa filosofia de design de jogo porque somos culpados de desenhar para um público que está tão habituado a jogar que sabe logo que portas são pintadas e quais podem ser abertas, e estão habituados a correr em ambientes 3D, mas isso pode meter-se no caminho do drama às vezes. Tivemos que trabalhar em como contar uma história que é interactiva, que funcione com as escolhas do jogador, e podemos demorar anos a escrever um bom filme. Essencialmente temos que acomodar todas as opções do jogador, tudo o que ele faz, e não podemos ter a Erica a dizer o que quer ou como se sente a não ser que o jogador assim queira, portanto todos estes truques e estas dicas que são comuns não estavam ao nosso alcance.

Finalmente tivemos que ir a um estúdio produzir isto, com as restrições de orçamento e de um jogo, tivemos que inovar quatro coisas: tecnologia, design, storytelling e cross-media com produção cinematográfica, durante os últimos anos. A Sony viu o que estávamos a fazer e apaixonaram-se por isso. Decidiram apoiar-nos e agora temos o Erica, que temos mostrado à porta fechada. Sentimos que inovámos: não é só ver um filme e fazer uma escolha vazia a cada 5 minutos, é agir e reagir a cada 15/20 segundos e a história ouve-nos e as nossas escolhas têm importância porque mudam a perspectiva dela. Nos momentos finais quando o destino da Erica está nas nossas mãos é um culminar não só de tudo o que vimos, mas tudo o que fizemos. Sentimos que é uma experiência acessível a todos mas não isola gamers, podem jogar com os dual-shock na mesma mas como o smartphone é o aparelho mais íntimo que temos, há um em cada bolso e todos sabemos como funcionam encontrámos uma maneira mais intuitiva para jogar. Portanto mesmo usando o comando podemos ver que é mais agradável fazê-lo com o smartphone. E isso era suposto ser uma experiência single player, o jogador e a Erica, mas depois quando víamos os play-test, víamos pessoas sentarem-se no sofá juntos e a discutir uns com os outros. Pensámos na ideia de cada jogador ter um comando mas queríamos que se focassem uns nos outros em vez da TV, queríamos que essa discussão acontecesse, algumas pessoas iam e agiam como se fosse um filme, não se importavam porque funciona como uma experiência cinematográfica mas ver aquele debate sobre o que está a acontecer é mágico. Mesmo quando não jogam juntos, se forem beber um copo a um bar, apercebem-se que estão a debater coisas diferentes porque têm perspectivas diferentes da história, e quando vão jogar outra vez apercebem-se precisam delas para entender a visão mais global. E isso é uma ideia que gostamos muito.

Como sentem o hype do jogo, e acham que as pessoas que têm testado o jogo sentem o que vocês queriam? Acham que sentem a energia que quiseram ou acham que algumas não percebem que tipo de jogo é Erica?

JA: Quando mostrámos o trailer, estávamos preocupados que não tivéssemos explicado o suficiente sobre a transição sem falhas entre filme e jogo, tínhamos medo que as pessoas achassem que era um daqueles jogos FMV dos anos 90 em que carregávamos num botão no fundo do ecrã e dava o próximo vídeo. Mas nós tínhamos uma versão sem tempos de loading, sem cortes ou pausas, e não é carregar num botão é mexer no mundo, seja limpar o pó de um livro velho, ou uma lágrima da cara de Erica. Um mundo que reage ao que fazemos, portanto se abrimos uma porta suavemente a Erica vai entrar sem fazer barulho mas se batemos com a porta todos vão ouvir e ela vai perceber e o jogador entende que este mundo tem consequências. É uma experiência que nos torna humildes, quando mostramos o jogo à porta fechada e vemos pessoas de boca aberta, e apercebem-se é mágico, a interacção é deliciosa quando é o nosso dedo a abrir um isqueiro Zippo, não é um truque, é um objecto físico que reage a gravidade, inércia, movimento. Não é sobre tomar uma decisão com uma palavra mas com acções, queimamos este objecto ou não, que consequências terá no futuro?

Não é baseado em decidir o que o jogo quer que eu faça, é baseado nas nossas decisões nas personagens deste mundo e em acreditarmos que elas são pessoas reais e não personagens unidimensionais. Não é sobre uma pontuação e não é sobre um game over, porque há destinos piores que a morte, e quando tomamos uma decisão que leva a que Erica quebre e fique desolada, nós sentimos culpa, e vergonha, mas quando se faz outra acção podemos sentir orgulho, isso são emoções importantes nos videojogos. Quando as pessoas vêem isto percebem que todos os anos gastos nos pormenores valeram a pena.

Qual foi o momento mais difícil em fazer o filme, e filmar todas as opções? Existiu um momento em que bateram num muro intransponível?

Ja: Há um cineasta francês chamado Goddard que disse que “temos que ser jovens e estúpidos para fazer um filme” porque quando nos apercebemos o quão difícil é fazer um, tão fisicamente doloroso que nem começamos, e é muito semelhante num jogo, é um milagre que qualquer jogo seja lançado, quando nos apercebemos a quantidade de trabalho envolvida em fazer um. Foi insano decidir fazer os dois ao mesmo tempo especialmente quando tínhamos que fazer um motor de raiz em vez de usar um existente. Acho que estamos a colher os frutos disso agora, há uma plataforma para contar histórias em anos futuros, em vez de passar 3 anos a fazer um jogo novo ou uma história nova, não temos que passar por esse processo, é só tratar do design, storytelling e filmagem. Foi um bom investimento para a empresa porque mal podemos esperar para contar histórias novas e mostrar que este meio é viável. No fundo é muito diferente de fazer um jogo tradicional, porque se não gostarem do jogo não podemos alterar os assets, ou cortar o cabelo da Erica, quando o filme está feito, está feito.

Temos muito cuidado para não se ver o que está por trás, às vezes falamos sobre estar construído numa tecnologia fantástica mas a razão porque não falamos muito nisso é porque não queremos que seja o foco, é uma ferramenta que permite contar uma história e isso é que importa. Adoramos a ideia que este jogo acabe numa prateleira, sem saber como e quando pegamos nele jogamos sem esforço algum, não estamos focados na ideia de ser um jogo, será um jogo, será arte, não sabemos?

Pavle Mihajlovic

Em termos de código, qual foi a dificuldade de fazer com que funcionasse em programação nesta “coisa”, porque ainda não têm um nome para ele. Qual foi o maior obstáculo?

Pavle Mihajlovic: Por ser algo tão novo, tivemos que construir tudo desde a base para conseguir este casamento perfeito entre filme e jogo. Só essa novidade foi o primeiro desafio porque não havia nada lá fora que fizesse isso. Em segundo lugar, como tudo é real não há margem para erro, não podem existir erros, atrasos ou falhas. Tem que estar tudo perfeito para que seja uma experiência sem cortes. Quando combinamos esses dois factores temos um projecto que é muito desafiante tecnicamente, mas como disse o Jack, quisemos que qualquer aspecto técnico estive perfeitamente camuflado e invisível para que não se pensasse nisso e os jogadores pudessem apenas aproveitar a experiência e viver neste mundo de Erica.

JA: É importante dizer que quando começámos a falar sobre a ideia, foi comigo a dizer, “olhem podemos atingir alguns destes conceitos em vídeo?” e depois o Pavle olhou e disse “é impossível!” e 6 meses depois tinha uma fracção do que temos agora e mostrámos a pessoas pela primeira vez, especialmente investidores que queríamos que financiassem o jogo e elas viam que era algo novo, e isso era algo que o Pavle e a pequena equipa que ele dirige. Eles têm afinado a um nível delicioso de interacção, e construíram um editor incrível que para mim como designer tira a preocupação do código por ser tão intuitivo e permite-me só focar na história. É um feito de engenharia gigantesco.

Depois de Erica, vêem algum do vosso trabalho num cinema para uma plateia de grande número?

JA: Acho que na busca de casar os mundos dos jogos e do cinema têm existido muitas experiências e não existia uma visão do que funciona ou não. Achamos que Erica é a perfeição da execução nesses campos, não só de conceito mas também tecnicamente. Portanto pensamos na ideia de meter no cinema ou levar a um festival, e talvez o façamos uma vez apenas, mas acreditamos que conceptualmente Cinema é Cinema e não queremos que um público nos roube as nossas opções. Isto é uma experiência pessoal e íntima, num cinema as luzes são apagadas para nos absorver para aquele mundo, não para uma luz brilhante com botões e escolhas.

Jogando a demo, podem reparar que nunca tiram os olhos da TV, interagem intuitivamente da mesma maneira que procuramos umas fotos no telefone ou folheamos as páginas de um livro, por isso para nós é a maneira perfeita de ter esta experiência. Talvez vejam uma pequena experiência num cinema um dia, mas não acho que seja o futuro deste meio.

Entrevista: Marco Janeiro. Tradução: João Machado. Imagem: Ana Beatriz Brás e Roberto Gil.