Numa altura em que os Point-And-Click andam a ressurgir como cogumelos, apraz-me, enquanto apreciador do género, verificar que estes têm surgido com qualidade e características que os distingam da mediania. Não posso falar por todos, naturalmente, mas aquilo que me tem vindo parar às mãos deixa a sua marca. No caso de Demetrios – The BIG Cynical Adventure, essa marca é castanha e apresenta-se esboçada de forma mais ou menos central na parte de trás de umas cuecas amarrotadas. E isto, meus caros, é mais subtileza do que terão ao longo de todo o gameplay de Demetrios.

Somos Bjorn Thonen, uma espécie de Dumb & Dumber a solo. Remendados, estúpidos, badalhocos e brejeiros, com inclinações para o kinky a ser mais que sugeridas aqui e ali. E é engraçado ver como uma opção diametralmente oposta àquela que mencionei em The Darkside Detective, que se preocupava em ter o elemento cómico distante da personagem principal, para não emburrecer o jogador, pode, também funcionar. E funciona pelo absurdo, pelo abuso e porque o jogo se mantém divertido. Tal como sucede em Midnight at the Celestial Castle, o nosso personagem vive numa desarrumação em forma de casa. Sem ambições, sem perspectivas de melhoria, gere a sua loja de antiguidades de forma displicente e desinspirada, lutando por isso contra dificuldades económicas numa casa com condições de higiene e arrumação no mínimo questionáveis.

Vamos brincar com o isqueiro! Qual é o pior que pode acon….

Não costumamos meter duas imagens seguidas, mas meter garfos nas tomadas é mau. Até nos jogos.

Tudo começa quando a nossa casa é invadida por estranhos e somos agredidos, depois de termos ignorado um aviso telefónico. Deixados inconscientes, acordamos para tentar pôr em ordem a nossa casa e participar o caso à polícia. A viagem leva-nos por aí, saltando entre diversas zonas com uma liberdade fora do normal mas muito bem-vinda, oferecendo-nos cenários com um traço peculiar, mas bem trabalhado, com pormenores a fazer lembrar o Onde está o Wally?, tamanha a diversidade de objectos clicáveis em cada cenário. Poderia ser em demasia. Poderia tornar-se maçador. Mas acaba por se revelar uma forma interessante de ir veiculando as piadas (porcas, muitas delas), espicaçando o interesse do jogador, e de introduzir um dos seus mini-jogos que poderia, de outra forma, tornar-se monótono, fruto das suas raízes de pixel hunting.

É que, em cada cenário, há 3 bolachas que o nosso javardo Bjorn não se importa de recolher e ingerir, com mais ou menos pelo, com mais ou menos cinza, com mais ou menos cotão. As bolachas têm um outro papel, útil, e que de certa forma incentiva essa caça ao pixel que, aliás, já vê a sua possível monotonia esbatida devido ao facto de as procurarmos em sítios absurdos: servem para nos dar dicas para resolver determinados puzzles, minimizando os bloqueios que por vezes levam a que as pessoas desistam deste tipo de jogos, largando-os a meio. Um puzzle fácil para quem o cria pode ser excessivamente rebuscado para quem o joga. Ao oferecer um meio de ajudar a contornar alguns puzzles, sem os tornar demasiado fáceis, mas sem criar dead-ends para quem os está a jogar, o jogo mata dois coelhos de uma só cajadada.

Não, ela não está com cara de quem está a gostar da conversa.

Mas, bem, quanto aos puzzles, nada a dizer. Uns simples e intuitivos, outros rebuscados e distorcidos. Quase todos eles recheados de um sentido de humor brejeiro, sem medo de recorrer à escatologia para apimentar a coisa, o que a dada altura fez com que me surgisse um possível título para este artigo: “E se os Ena Pá 2000 fizessem um Point and click?”. O jogo desenrola-se assim sem qualquer monotonia, mantendo-se fresco e interessante, misturando esse humor de sarjeta com a liberdade de navegar por diversos locais em busca da resolução de puzzles e mini jogos. Como ponto extra de originalidade, algo que não se vê muito neste género de jogos, é o facto de podermos morrer ou ver um fim precoce à nossa aventura de diversas formas. Sem punir em demasia o jogador, que pode retroceder ao ponto onde estava antes de meter o pé na poça, a verdade é que são encorajadas as escolhas arrojadas só para ver que forma rebuscada encontrará o jogo de nos matar ou mutilar. Esse coleccionismo é materializado em Steam Achievements e collectibles que incentivam a prossecução dos objectivos sem menosprezar os seus acompanhamentos.

Nota mental: tirar fotocópias ao cu na esquadra da polícia em frente a todos os agentes é mau. Nota mental 2: urinar nas plantas da esquadra também.

Para todos os gostos e feitios, uma vez que Demetrios permite filtrar alguma da sua linguagem e piadas mais bardajonas, o jogo assume-se como um point-and-click bem feito, bem trabalhado e muito divertido que certamente vos roubará umas boas horas com facilidade. E, melhor ainda, como o próprio nome indica, é BIG. Vá, deixemo-nos de falocentrismos. Referimo-nos à duração do jogo, com cerca de 10 horas… por 10€, é um negócio bom demais para deixar passar ao lado.