A Ciência, a História e os nossos avós dizem que evoluímos. Com tanta gente a dizer a mesma coisa é bem provável que seja verdade, ainda que esta história da quantidade nem sempre comprova que as grandes massas têm sempre razão. Que o diga o Galileu.

Mas diariamente sentimos na pele o quanto parece que na realidade não evoluímos que é fácil olhar com descrédito para todas as certezas que temos (e eu tenho-as) em relação às leis definidas por Darwin. E digo-o porque até eu que me considero uma pessoa racional e “evoluída” (se bem que a cobertura de pêlo que me reveste o corpo diga o contrário) tenho muitas vezes de conter o grunho primitivo que habita dentro de mim quando estou a ver um jogo de futebol no estádio. Ou a forma como tenho de segurar a besta faminta que quer ver o fundo de um pacote de praticamente qualquer coisa que tenha o logótipo da Matutano na embalagem, especialmente se esses snacks forem cobertos de queijo. Calcanhares de Aquiles como qualquer outro, ainda que no caso do segundo exemplo a coisa se aloje um pouco mais acima dos pés, na zona abdominal.

A sobrevivência do mais forte, o darwinismo em estado puro, tem sido o mote para um género que até 2017 funcionava quase como uma praga de cogumelos. Uma Teoria da Evolução em que ao invés de um género evoluir e melhorar, simplesmente multiplicava-se de forma endogâmica, com todas as deficiências decorrentes dessa prática. Survival games com zombies foram durante um período os piolhos do mercado (especialmente no PC): a multiplicação de jogos de sobrevivência que tinham os mortos-vivos como inimigos foi tão grande que a coisa começava a roçar o enjoo.

A tentativa de inovar os survival games não tardou em chegar, e, ainda que a grande maioria fossem interpretações mais ou menos putativamente realistas dos alicerces criados por Minecraft, foram mesmo jogos como Don’t Starve e The Flame in the Flood que o souberam fazer de forma inequívoca.

Uma das propostas mais diferentes que o mercado nos trouxe foi Stomping Land, o malogrado Kickstarter de um survival game passado no tempo dos dinossauros, onde os humanos assincronamente tudo têm de fazer para sobreviver. Conceptualmente interessante, até porque diversos foram já os meios culturais que fizeram o exercício de imaginação de colocar a coexistência dos seres humanos e dos dinossauros como plausível, e essas mesmas interacções a serem o mote para algo mais.

É claro que conhecendo o mínimo de História Natural e de evolução das espécies percebemos os milhões de anos que separam o fim do domínio dos dinossauros na Terra, e o surgimento dos primeiros Homens, mas é um exercício de criatividade que funcionou em tantos exemplos, nos quais os videojogos são apenas mais.

Com o falhanço total do desenvolvimento de Stomping Land, acabaria por ser ARK: Survival Evolved a pegar no conceito, a desenvolvê-lo e a criar um dos jogos mais interessantes deste sub-mercado tão saturado, respondendo à fórmula do género mas conseguindo polvilhar a coisa de forma inovadora.

Já antes tínhamos falado de outras expansões do jogo, nomeadamente a vontade que existiu em dar uma roupagem de Battle Royale a ARK, através do suplemento certeiramente nomeado como Survival of the Fittest.

Aberration, a mais recente expansão para ARK, vem virar este mundo ao contrário, ou, para ser mais preciso, vem soterrar-nos num mundo cavernoso e subterrâneo. Aberration não vem mudar muito a jogabilidade, onde a habitual caça-recolecção volta a ser rainha, mas vem recondicionar a forma como vemos o mundo. Aqui estamos circunscritos aos subterrâneos de Ark, com todos os problemas que daí advêm, nomeadamente a existência de uma fauna e flora “alienígenas” bastante distintas do que conhecemos da superfície.

A verticalidade das cavernas (por muito que isto pareça contraditório) vem justificar a existência de wingsuits para que consigamos planar entre áreas, para além de imensas áreas escaláveis ou simplesmente para atravessar com as belas e velhas (novas) zip-lines.

ARK: Aberration vem estender um pouco mais a abordagem de um dos survival games mais interessantes que o mercado possui, e um dos sobreviventes (trocadilho propositado) de um género que nos habituou a jogos em Early Access no eterno limbo da não-conclusão.

Se o darwinismo indica que apenas os mais aptos se adaptam e sobrevivem, então é de perceber o porquê de ARK continuar a crescer e a evoluir onde tantos outros outros congéneres já pereceram perante a sua própria inépcia, comprovando que este jogo não é apenas um dos mais interessantes dentro seu mercado, mas também um dos mais criativos e honestos.