Há coisas que só podiam mesmo vir do Japão, e nem vou pisar em terrenos viscosos de media que incluem tentáculos e coisas menos apropriadas. Basta-me pensar em Takeshi Castle (Nunca Digas Banzai, como traduzido na TV portuguesa) e o quanto esse programa representa toda a loucura (na maioria das vezes saudáveis) que povoa a criatividade japonesa, numa espécie de elogio à forma de pensar única do povo nipónico.

Mom Hid My Game é mais um exemplo disso. Com tantas propostas estranhas a advirem do mercado indie, experiências bizarras e imaginativas que facilmente mereceriam um lugar na rubrica Mystery Box do Isaque, Mom Hid My Game é a extrapolação surrealista de um elemento simples do quotidiano.

A inspiração, dizem os autores, provém da experiência de infância dos seus pais lhes esconderem as consolas como castigo por estarem tantas horas seguidas presos ao jogo. Esta é uma realidade que a título pessoal me ultrapassa, não só porque as largas horas diárias de jogo aconteciam apenas depois de cumprir com todas as minhas obrigações lectivas, como na forma de educação que tive em casa não era preciso esconderem o meu Game Boy para eu não jogar. Bastava que taxativamente dissessem: “não jogas mais hoje!”. E eu não jogaria.

Mas aqui o caso muda de figura. Neste puzzle game surreal (em que o nível de bizarria vai aumentando em paralelo com a complexidade dos puzzles) temos de conseguir encontrar a nossa consola portátil, que é sempre colocada em situações e em sítios diferentes ao longo dos 50 níveis que compreendem este jogo.

Cada um destes níveis pode facilmente ser terminado em menos de 1 minuto, e rapidamente perceberão que vão percepcionar a solução de cada um em poucas tentativas. E digo tentativas porque Mom Hid My Game é um jogo que tem Game Over, seja porque fomos apanhados pela mãe (o que inclui um Game Over especial se encontrarmos a sua carteira e a roubarmos, em que ela aparece vestida de polícia e nos adverte), ou porque sofremos algum dano com os “perigos” presentes em cada puzzle.

Estes perigos/puzzles rapidamente entram num sistema de loucura tão grande quando temos níveis onde temos um elefante na sala que temos de alimentar com fruta, à espera que faça a digestão e que no meio das suas fezes esteja a nossa consola. Nunca pensei em escrever algo semelhante num artigo sobre videojogos, mas o mundo e o mercado assim o obrigam. Este exemplo do elefante, ou o dos motociclistas que atravessam a nossa sala (entre tantas situações surreais que acontecem em Mom Hid My Game) deixa-me a tecer várias conclusões.

A primeira é que a mãe do protagonista sofre de alguma patologia do foro psiquiátrico, dadas as formas mais rebuscadas e surreais que tem para esconder a consola portátil do filho, soluções que estão na fina linha entre o SAW e momentos de loucura que incluem colocá-lo no sistema digestivo de animais de grande porte… e trazê-los para dentro de casa. A segunda é que apesar de Mom Hid My Game não ter praticamente nenhuma rejogabilidade, nem ser sequer brilhante em tudo o que faz, a construção surreal dos níveis/puzzles consegue facilmente roubar-nos um ligeiro sorriso, porque a frase “mas quem é que se ia lembrar de uma coisa destas?” facilmente aparece na nossa cabeça.

Com uma direcção artística simplista e até a roçar o tosco, há um charme próprio num jogo que não só não se quer levar a sério como quer ir para longe da imaginação de qualquer ser minimamente racional faria. Pensemos no genial mini-jogo Gamer da colectânea Game & Wario e percebamos o quão semelhante é, apesar de estar enclausurado num ambiente lógico diametralmente oposto à loucura deste jogo da Kemco.

Mom Hid My Game é tão diferente de qualquer coisa que possamos jogar, e tão surpreendente na sua cavalgada de surrealismo que não podia senão recomendá-lo a todos, mesmo que questionem a vossa própria sanidade a cada minuto despendido neste jogo. “Diferente” nem sempre é sinónimo de “Bom”, mas Mom Hid My Game consegue até trazer-nos um micro-enredo ao fechar do pano, e que justifica conceptualmente toda esta loucura.

Como nota de rodapé basta-me apenas indicar, como pai e educador à senhora progenitora do protagonista: todo este jogo deve riscar todos os pontos possíveis de uma pedagogia saudável. Mas por outro lado dá-nos um dos jogos mais loucos que já jogámos, e só por isso vale tudo a pena. E vá, porque é ficção. Espero eu.