No Natal de 2000 um grande amigo mostrou-me um livro que viria a mudar completamente a visão que eu tinha sobre a estupidez humana. The Darwin Awards: Evolution in Action é uma ode à imbecilidade humana, baseado no antigo grupo de Usenet posteriormente tornado site Darwin Awards, que atribui anualmente prémios às situações mais idiotas levadas a cabo por seres humanos, e que levem à sua morte ou esterilização. Apesar do humor negro que circunda estes relatos, o conceito por trás dos Darwin Awards relembra-nos a proeza de alguns dos nossos congéneres ao retirarem-se da piscina genética com acções de especial imbecilidade. Todas estas histórias estão repletas de veracidade.

The Darwin Project o jogo em Early Access no Steam e que tem tido alguns períodos regulares de teste ao fim-de-semana, não é uma homenagem à estupidez humana, mas é, em muitos aspectos, uma celebração do darwinismo no seu estado mais puro, tornado este artigo o segundo artigo darwinista no espaço de uma semana.

Um battle royale em estado puro que vem beber muito do espírito massificado da versão light do género, The Hunger Games, que atribui uma aura de espectáculo àquilo que no conceito original é elevar ao extremo a noção de sobrevivência do mais forte e do mais apto.

Grande parte das coisas que The Darwin Project faz não são inovadoras. Aliás, já tantos casos como PUBG, The Culling e até Fortnite fazem, com todo o sucesso inerente a esses títulos e que os colocaram na boca e nas mãos de muita gente pelo mundo fora. Mas este The Darwin Project tem uma identidade própria e uma série de características que lhe permitem destacar-se num ambiente algo saturado dos battle royales multiplayer online, e começa logo pela sua direcção artística. Ao invés de querer seguir o caminho de tentativa de realismo de muitos dos seus competidores, enveredou por um caminho mais cartoonizado, com algumas modelações a resvalarem ao de leve nas estéticas low poly tão em voga na actualidade.

O outro ponto curioso é que o frio tem um impacto forte no jogo já que a nossa arena de batalha é uma floresta nevada (com abismos de lava), a qual temos de percorrer para encontrar meios que nos permitam ser o último jogador vivo. Como o frio tem um impacto fulcral (e até tem um medidor próprio), é-nos possível morrer de hipotermia se não nos abrigarmos ou aquecermos antes que a barra desapareça. Visto que as mecânicas de caça e recolecção estão aqui presentes, um dos elementos básicos da nossa roda de construção é precisamente uma fogueira, que é uma das mais eficazes fontes de aquecimento do jogo. O único problema é que uma fogueira eleva uma coluna de fumo até aos céus, declarando a nossa presença no mapa aos outros jogadores.

Sempre que interagimos com algum objecto na arena, como cortar uma árvore por exemplo, deixamos uma pegada visível durante largos segundos, permitindo que um inimigo siga o nosso encalço. É claro que isto é válido também para os nossos adversários, e podemos seguir esse rasto deixado durante um período curto para os seguir e atacar, ou fugir na direcção oposta para evitarmos confrontos.

Visto que a arena é constituída como um tabuleiro com hexágonos, vão sendo interditas progressivamente estas zonas à medida que cada partida progride como forma de obrigar os jogadores a estarem cada vez mais próximos uns dos outros e para provocar o confronto entre eles. Esta lógica faz todo o sentido (e relembra em muito The Hunger Games) visto que o objectivo final de The Darwin Project é sermos os mais fortes de entre todos… e sobrevivermos.

Outra semelhança com muitos outros jogos são os loot drops que caiem em zonas mais ou menos aleatórias, obrigando-nos a tentar obter esses reforços antes que os inimigos o façam. Nada de novo a Este do darwinismo, sendo esta uma ideia que até no primeiro Worms já tínhamos precisamente com a mesma ideia: 

Uma das maiores curiosidades deste The Darwin Project é a possibilidade de alguém entrar em jogo como o realizador do “programa”, permitindo-lhe acompanhar os jogadores, falar com eles como uma voz (e visão) omnipresentes e controlar alguns aspectos da arena, conferindo uma visão assimétrica ao jogo mas diferente do habitual em que estão duas trincheiras opostas. Aqui o realizador é um elemento contra todos os jogadores, que já estão ao mesmo tempo a jogar uns contra os outros, em que na prática ele nunca será um vencedor. Estão nas suas mãos a possibilidade de disparar uma bomba atómica em áreas do mapa e de controlar onde é que os loot drops vão cair. Visto que o realizador consegue falar com todos os jogadores, é curioso o tipo de companhia ou guerrilha mental que este consegue fazer.

The Darwin Project é uma excelente e diferente abordagem a um género que já tem os seus colossos e que aparentemente pouco mais tinha para inovar. A adição de uma subtil assimetria permite-lhe assumir-se como um death show tal e qual como foi criado conceptualmente e tornou-o, para mim, um dos mais divertidos battle royales que já joguei.