Isto da percepção temporal tem muito que se lhe diga. A Expo 98, um dos eventos que colocou Portugal no centro do mundo, faz este ano 20 anos. O Titanic e o verdadeiro overplay do My Heart Will Go On já vão para os 21 anos, e já podem beber álcool em muitos sítios. Não é portanto de estranhar que muitos dos jogos que estão hoje na nossa memória já estejam a fazer alguns aninhos de existência, alguns quase a virarem aquela marca importante das duas décadas, por muito que a nossa percepção temporal nem acredite muito na coisa.

O primeiro desses títulos é mesmo Outcast, que recebeu agora um remake com o nome Second Contact, ainda que para muita gente este seja um primeiro contacto. E não é de estranhar o porquê, no meu caso a emblemática capa do jogo que sempre me assombrou na reduzidíssima secção de jogos da defunta loja Valentim de Carvalho do antigo Olivais Shopping. O protagonista Cutter Slade com a arma apontada para nós naquilo que preconizava um bom jogo de ficção científica que eu nunca tive a oportunidade de experimentar. Não só porque o meu orçamento para jogos à época era perto de nulo, como o PC que possuía na altura não me permitia grandes aventuras técnicas para a exigência que Outcast tinha do ponto de vista de poderio informático.

Só anos mais tarde, através da leitura, é que comecei a perceber que aquele pequeno flop comercial era na realidade um dos jogos mais marcantes da sua geração, e que não conseguiu voar mais alto pela baixa capacidade que teve de chegar a mais gente. O que em muitos aspectos relembra Beyond Good & Evil, que é apelidado pelo nosso Mathieu como “o melhor jogos que ninguém jogou”.

Outcast mantinha a tónica de muitos dos jogos famosos da época em que a terceira pessoa reinava soberana, mas trazia algo mais dentro de um oceano de linearidade: um mundo aberto onde a exploração e o livre arbítrio falavam mais alto.

A influência de Outcast pode ser subtil ou inexistente para alguns, mas o seu insucesso comercial não pode ser medidor das fundações metodológicas que criou, não para quem consome mas para quem produz. E elas estão bem patentes no mercado actual, na forma como os mundos abertos são quase pontos obrigatórios da contemporaneidade.

Um bocadinho mais jovem do que Outcast, mas a fazer 12 anos este ano – e a lembrar-nos que o tempo não voa apenas, ele foge como um cavalo enfurecido pela planície – Rogue Trooper foi mais marcante do que se imagina, ainda que tenha sido levemente esquecido (e ultrapassado pela esquerda) nas inovações que trouxe por outro título que saiu meses depois: Gears of War.

Os cover shooters dominaram o mercado no final da década passada e em muito se deve ao trabalho que a Rebellion teve com este jogo simplista que quis colocar as fichas todas em jogo em cima do quadrado da acção e da testosterona.

Outra explicação não existiria que não a origem deste título, criado em 1981 nas páginas da revista 2000AD pelo magnífico Dave Gibbons. Basta-nos olhar para o nosso protagonista (e para o seu exército de soldados iguais) e vermos aquela aura de “macheza” descontrolada e de pura acção em plena primeira década do novo milénio. Marines alienígenas hiper-musculados, de tronco nu e pele azul, a percorrerem o terreno inóspito de um planeta com atmosfera venenosa de armas em mão a dispararem balas como quem entrega panfletos para uma manifestação.

Mas o respeito que Rogue Trooper, agora remade sob o título Rogue Trooper Redux, sempre deixou foram as pedras basilares dos jogos de acção mais compassados, onde a necessidade de encontrar cobertura ultrapassam os hábitos hollywoodescos de outros tempos, de correr em direcção aos inimigos de armas em punho. É claro que pelas múltiplas formas de matar os nossos adversários a acção over-the top continua cá, mas a mudança de mindset, à época, foi bastante grande.

As diversas formas de matar inimigos encontram um par perfeito na customização e possibilidades de upgrades que este jogo já tinha quando foi criado. Demonstrando mais alguns dos pontos inovadores que Rogue Trooper teve e que viriam a ajudar a redefinir as mudanças de paradigma impostas organicamente ao mercado nos anos subsequentes.

Receber num curto espaço de tempo Rogue Trooper Redux e Outcast: Second Contact é uma forma de analisarmos os pequenos grandes momentos subtis da história dos videojogos, que ainda que não tenham tido o impacto crítico e comercial esperado, conseguiram tornar-se um pequeno terramoto de influência, com as réplicas a fazerem-se sentir até hoje, em muitos dos jogos que são desenvolvidos.