Westerns estão-me no sangue, confesso que gosto de uma boa “coboiáda”!

Não sei quantas vezes vi Os 7 Magníficos, Os Profissionais, Aconteceu no Oeste ou a Trilogia dos Dólares durante anos foi uma era dourada para muitos actores e realizadores como John Wayne, Clint Eastwood, Sergio Leone ou John Ford, depois disso, estes filmes que foram outrora o centro de Hollywood estiveram numa espécie de coma. Até 1992 em que Unforgiven fez as pessoas lembrarem-se do que era um bom “filme de cóbois” mas com pouco sucesso nas restantes tentativas de reavivar o estilo, tirando em 1993 com Tombstone que rapidamente se tornou o meu favorito muito carregado às costas pela que considero a melhor interpretação da carreira de Val Kilmer no papel de Doc Holliday.

Infelizmente o espírito do velho oeste no cinema morreu qual ladrão de cavalos a balançar de um galho de uma árvore seca. O mesmo se passa nos jogos, tirando Desperados, Call of Juarez há poucos nomes de grande peso, quando o meio ambiente é tão rico e podia dar tanto aos jogadores. Tendo em conta que estamos quase todos à espera da sua sequela atrasada para algures em 2018, e à falta de um artigo sobre ele aqui no site, o Ia-me Esquecendo de hoje vai ser sobre o que é considerado dos melhores open-world de todos os tempos, mas mais importante ainda, o jogo mais votado nos nossos Essenciais e o primeiro Chicken Fashion, falemos de Red Dead Redemption.

O que dizer sobre um jogo com 8 anos, que já fez correr mais tinta que as fábricas da Bic? Nem me vou dar ao trabalho de falar sobre a excelente parte técnica porque é algo que a Rockstar nos habituou desde o inicio das suas produções, principalmente porque fazem algo que poucas empresas se dão ao luxo, atrasam o lançamento dos jogos até ele estar pronto para isso. Red Dead Redemption, que eu confesso só ter jogado pela primeira vez no final de 2016 e tenho vindo a saborear aos poucos quando a agenda me permite, é daqueles que resistiu à passagem do tempo, tudo bem que os gráficos não são tão bons hoje como em 2010 e parecem um pouco datados mas num jogo com tanta qualidade a imagem é algo secundário, pensemos nele como Claudia Cardinale, Sophia Loren ou até a Monica Bellucci que aos 50 não eram tão bonitas como foram nos seus 20 ou 30s, mas dada a oportunidade de lhes dar uma bicada, não recusava.

Hoje em dia em que gráficos são quase tudo e o louvar da inovação do mundo dos videojogos é feito pela capacidade de processamento e imagem cada vez maior, o que faz de Red Dead Redemption tão bom? Porque é ainda hoje um jogo tão adorado? Acredito que são 3 pontos chave que o tornam tão mítico num crescendo de importância simbiótica.

O Oeste, tão longe e tão perto

A não ser que tivéssemos vivido num Alentejo sem lei, o ambiente característico do Far West só é conhecido através de filmes e séries do passado, contudo quando vemos no jogo aquelas vastas áreas áridas com vegetação seca espalhada até ao horizonte onde o sol se põe, ouvimos o chocalhar característico da cascavel, o uivar do coiote, tudo isso é-nos tão familiar como o Professor Marcelo a fazer coisas e estar em sítios. Faz parte da nossa cultura pessoal e realidade mesmo que nunca tenhamos colocado um pé no outro lado do Atlântico.

O meio ambiente de Red Dead Redemption é uma das suas maiores armas, é por isso que os dois pontos seguintes funcionam também, o Oeste não é só um setting é o molho que une todos os ingredientes do prato. Quem já jogou RDD sabe que há vários meios de locomoção, os de fast travel como a diligência ou o comboio, ou os mais mundanos como andar a pé, mas nada se compara ao tradicional e fiel corcel que nos acompanha. Sem esse método de transporte o jogo perdia grande parte do seu encanto, o espaço aberto é algo que chama pelo ser humano, a exploração do desconhecido, aquele medo que nos impulsiona para a frente está em todo o jogo. Em Red Dead Redemption há uma necessidade quase incontrolável de deixar de parte o enredo do jogo e simplesmente partir em direcção do por-do-sol sem nunca olhar para trás. Qual de nós nunca em algum momento da nossa vida imaginou ser aquele trágico cowboy que cavalga na pradaria? Em cima da sua mula que se chama Maria.

A(s) história(s)

Essa necessidade de cavalgar, esse puxar do desconhecido só não é concretizado a toda a hora porque o enredo tem-nos com rédea curta. Da história principal às side-quests Red Dead Redemption tem tanta história clássica como o chão do saloon tem buracos de balas de fazer os tenrinhos dançar quando chegam pela primeira vez.

Apesar das histórias e até alguns argumentos serem extremamente cliché, tal como os personagens o são, não é por isso que não os queremos conhecer melhor, não é por isso que não nos desviamos obrigatoriamente do caminho que tínhamos pensado para falar com uma ou outra pessoa. O enredo principal do jogo é uma história de redenção, John tenta fazer o máximo para voltar a casa e à sua família e não voltar à vida que tinha abandonado, tudo o que faz é com esse intuito, a maneira como somos levados aos momentos finais é como um best-of de clássicos western, começando na filha do rancheiro que ajuda o desconhecido ferido acabando com a traição do parceiro em que mais se confia.

Acima de tudo fala-se muito em RDD, mas é um falar bom, desde conversas teológicas a políticas passando por relações humanas muitas vezes, depois de uma longa e deliciosa cut-scene a nossa missão envolve acompanhar alguém a um ponto no mapa para fazer algo, nunca num jogo eu ansiei tanto por estes momentos em que dois personagens conversam sobre tudo, sobre as suas visões do seu mundo e as suas opiniões. A vastidão dos cenários é crucial para que estas conversas e desenvolvimento de personagens seja bem feito, é na estrada que descobrimos quem é John Marston e quem o rodeia.

As conversas entre John e as pessoas que encontra são como aquelas de café em que ficamos chateados quando a outra pessoa tem que ir embora porque já se passaram horas, muitas vezes quis que a estrada continuasse só para os continuar a ouvir.

Serem humanos, como as pessoas.

São as pequenas e grandes histórias que vamos vivendo neste ambiente inóspito em que se enquadram tão bem que dão muita qualidade a Red Dead Redemption, mas elas não seriam nada se os personagens não fossem tão humanos como são. Não somos só nós, enquanto na pele de Marston, mas todos eles. Desde os nossos aliados aos nossos inimigos principais e até personagens com os quais nos cruzamos durante pouco tempo, todos têm uma personalidade vincada pelo seu passado, pelo seu presente e os seus desejos para o futuro. Não é só John (nós) que tem escolhas a fazer e sofre na pele as consequências delas, todos o fizeram, todos são fascinantes a vários níveis.

Mais uma vez isto acontece por serem baseados em personagens-tipo do western como o velho pistoleiro retirado ou o vendedor de banha-de-cobra mas cada um com uma história pessoal, das escolhas que fez e os levaram ali, aquele momento e lugar e faz deles mais do que aquilo que aparentam ser.

Todo RDD é feito de escolhas, e de erros principalmente. Todas as nossas acções ou falta delas vão ter um resultado, e apesar da mecânica do jogo “recompensar” as escolhas de um modo polarizado dando reputação “boa” ou “má” tendo em conta o que decidimos fazer, o bom e mau é apenas um ponto de vista porque somos humanos e o mundo não é preto e branco, é quase todo cinzento.

Muitas vezes julguei estar a fazer “bem” para depois descobrir que estava errado. O jogo tem um sistema de acontecimentos aleatórios em que nas planícies, estradas ou cidades encontramos situações com as quais podemos interagir como por exemplo a minha primeira em que um homem corre na minha direcção enquanto outro o persegue, tentando alvejá-lo nas costas. A minha reacção foi imediatamente matar o pistoleiro que afinal era um agente da lei a caçar um criminoso foragido. A minha reputação desceu, mas no meu ponto de vista salvei um homem desarmado que estava a ser atacado. Por outro lado fui acudir alguém que pedia ajuda no meio do deserto que me atirou abaixo do cavalo e o roubou, durante uns segundos porque levou um tiro na cabeça. Algo mais interessante aconteceu numa cidade em que um homem atacava uma senhora (aparentemente prostituta). Tentei salvá-la mas disparei a arma cedo demais (juro que isto nunca me tinha acontecido antes) e matei-a por engano, e depois a ele, por prevenção e lá desceu a minha reputação outra vez. Infelizmente nunca sabemos como os nossos actos vão afectar a nossa reputação, mas é garantido que a nossa reputação afecta o jogo, e como dizia o grande poeta

A reputação é a imposição mais fútil e falsa, muita vezes ganha sem mérito e perdida sem razão.

A partir daí pensava sempre duas vezes antes de ajudar alguém, inclusive linchamentos em árvores, ficava a pensar se não haveria uma razão para estarem a enforcar aquela pessoa. Às vezes quando decidia fazer algo já era tarde demais, mas isso é a vida… e a vida no Oeste não é fácil.

Acho que a magia de Red Dead Redemption está mesmo aí, na capacidade de poder jogar sem cair nos espectros clássicos do bom ou do mau da fita, podemos tentar equilibrar ali num meio termo em que respondemos apenas à nossa natureza naquela situação, nem sempre podemos ser o herói, nem o vilão, às vezes somos só humanos. A essência de Red Dead Redemption pode ser resumida numa citação de um dos meus livros favoritos: 

Para ajudar a entender os afazeres humanos, pode ajudar estar bem esclarecido que os grandes triunfos e tragédias da história são causados, não por pessoas serem fundamentalmente boas ou fundamentalmente más, mas por pessoas serem fundamentalmente pessoas.

Não deve ter sido fácil transcrever a essência do ser humano para um videojogo mas acredito que foi conseguido pela Rockstar.

Nota do autor: a primeira pessoa a identificar por comentário a este artigo a autoria das duas citações que aqui aparecem, recebe imediatamente dois jogos para Steam.