O Anúncio da Nintendo apanhou toda a gente de surpresa. A Proposta de um momento interativo entre papel e plástico desafiou por completo a minha capacidade para o “pronto a pensar”. Daquelas propostas tão inesperadas que não sabemos muito bem se são de génio ou perfeitamente idiotas. No momento em que escrevo este texto posso dizer que ainda não cheguei a nenhuma certeza, mas sou capaz de delinear um raciocínio hipotético.

Não fui o único a ser apanhado de surpresa pelo Nintendo Labo. No entanto, enquanto espumava-me em filosofia, as reações do público foram muito mais categóricas: o entusiasmo recheado de superlativos por algo que se acha inovador e vanguardista, ou o desprezo pelo tempo desperdiçado a desenvolver brinquedos em cartão.

Uns já se imaginam com as crianças da sua vida a partilharem um momento idílico de cooperação coroado por uma interação entre o brinquedo do antigamente (pobre?) e o do futuro (rico?). Uma experiência que um companheiro galinha definiu como “mágica”.

Os outros não percecionam qualquer outra magia para além do marketing… à malta não bastava mais um Smash Bros?

Cria-se aqui o efeito autoestereograma, o das imagens do “Magic Eye”. “Estás a ver a imagem?” Uns sim outros nem por isso.

O lazer raramente rima com útil. Encostar qualquer pessoa ao imperativo utilitário do prazer não faz qualquer sentido. Porque perdes tempo a jogar Guitar Hero se podias tocar guitarra? Porque perdes tempo a jogar ping-pong no Wii Sports se é muito melhor na vida real? Porque jogas em vez de estar a procurar a cura para as hemorróidas?

São argumentos racionais, demasiadas vezes repetidos, mas não são argumentos humanos. O Grau de pragmatismo que divide a nossa gestão do tempo entre o útil e o supérfluo difere consoante os carácteres.

Tal como Hagrid anunciava o estatuto de transcendência “You’re a Wizzard Harry!”, a Nintendo propõe o Labo em moldes semelhantes: “You’re a Nintendork Zé!”. A empresa do Mario explica isso em termos mais consensuais. “Para adultos com uma alma de criança”, só faltou mencionar a carteira de cota e teríamos aqui uma descrição mais apurada. Uma das conclusões do Harry Potter, no entanto, é que não vale a pena criticar os muggles: a culpa não é deles.

Confesso-me neste momento um agnóstico do cartão. Sou por enquanto impermeável à novelty. Quando chega um produto novo, procuro entender o que este me pode trazer que eu já não tenho.

Atividade manual? Há todo tipo de atividades com ou sem cartão muito mais criativas. Aliás nesse aspeto o Labo não é um exercício mais criativo do que montar uma Billy. Até o processo finalizado implica não ter que recorrer à imaginação ao ter um software a simular as situações onde poderia estar a utilizar o objeto. Nenhuma criança precisa de o Duck Hunt para ter alvos onde usar a sua pistola. É um software que lhes instalam à nascença e só dá para o torto mais tarde quando chega o trojan da puberdade.

Parece-me divertido montar os objetos em cartão. É indiscutível. Só não entendo porque montar isso em vez de outra coisa qualquer… Com ou sem crianças.

Os jogos? É a parte que eu mais desconheço. Penso que estaremos mais perto do Excitebike do que do Moto GP. Sou abertamente pessimista. Não espero que o pedaço de cartão seja o novo engenho de predileção dos meus momentos interativos. A Wii deu-nos centenas de acessórios para customizar o nosso Wiimote e a maioria chegou ao fundo da caixa de brinquedos bem depressa: o Software não lhes compensava o uso. O que este brinquedo de papel faz outros já o fazem à sua maneira.

A Magia está, no entanto, precisamente na junção de estas duas imperfeições. Montar algo humilde e vê-lo a funcionar caprichosamente num arrogante pedaço de tecnologia.  

Não tenho dúvidas de que a magia possa existir. Não vou tão longe como para dizer que o Labo está condenado a ser uma má experiência para quem o compra. Não coloco o meu ceticismo pessoal como verdade categórica.

Tenho apenas uma certeza: o Nintendo Labo é irrelevante o suficiente para não merecer o tempo que lhe acabo de dedicar. A Frustração dos incrédulos é compreensível, o entusiasmo comercial jornaleiro verte um mar de elogios idiotas e profecias de supremacia do papelão… Nada disto está para acontecer. O Labo terá o seu momento comercial paralelo a todos os modelos comerciais convencionais da marca. Os jogos que estão para chegar irão chegar. Uns irão montar carros de cartão e outros jogarão Smash Bros. O Nintendo Labo é uma tentativa de “pensar na caixa” e trazer algo diferente. Ninguém gosta de ficar fora do hype mas essa irrequietação não justifica qualquer insulto. Temos aqui uma novelty que se adivinha tão rentável como breve. 

Acabo o meu texto com as palavras sabias uma cantora que poderá muito bem já ter falecido e ninguém me avisou. Fica-lhe portanto a potencial homenagem e um pedaço de filosofia musicada para o leitor.