No artigo anterior abordámos o combate em jogos de Roleplay tradicional, comparando o mesmo a uma estrutura de 3 actos. Aprofundámos técnicas para a introdução de elementos que tornem o combate interessante para os jogadores, e permitam uma maior liberdade ao Mestre para manipular o enredo durante um combate que se baseia em aleatoriedade. Neste artigo debruçar-nos-emos no Segundo e Terceiro acto, onde todos estes elementos se conjugarão.

Segundo acto

Remetendo para a jornada do herói, se no primeiro acto tivemos o incidente catalisador e a identificação dos inimigos, na primeira parte do segundo acto conheceremos morte e renascimento, o que durante uma luta pode ocorrer quando um dos heróis é encostado às cordas. Durante o segundo acto também pode ser introduzida uma história b, com novos actores, representados neste caso por alteração das circunstâncias do combate. Estas circunstâncias podem aparecer para ajudar claramente um dos lados (normalmente o lado que está a ser derrotado), ou podem simplesmente alterar as situações de combate prejudicando ou ajudando igualmente ambos os lados, de forma a aumentar o interesse. Neste momento qualquer personagem b introduzido, deverá ter sido semeado anteriormente.

Para que o clímax da história seja satisfatório, convém que os vilões tenham ‘cantado de galo’ (sobejar dos vilões) e que os jogadores tenham atingido o momento negro da alma (vulgarmente reconhecido pelas frases “Estamos lixados!” ou “Já fomos!”).

NOTA: Numa narrativa tradicional o clímax da história é apresentado já no terceiro acto. Para efeitos deste exercício é apresentado como o ponto de viragem entre o segundo e terceiro actos. Esta adaptação permite-nos forcar a atenção no papel do Mestre na construção até ao momento decisivo em que sabemos se os heróis foram bem sucedidos ou falharam.

O papel do Mestre de Jogo

O mestre de jogo deve lembrar-se que não necessita de jogar de maneira óptima os seus vilões para que os jogadores se divirtam. Se um jogador tirar um crítico, não faz sentido deixar um inimigo a 1 HP de vida. Ou talvez o feiticeiro se esqueça de usar o seu feitiço mais poderoso. É sempre mais fácil roubar a favor dos jogadores do que a favor do antagonista, então não devemos ter medo de colocar um bom desafio à frente deles e apreciar o seu gáudio ao suplantarem um combate que parecia perdido!

O turno como uma micro narrativa

Cada turno também pode ser encarado como uma mini estrutura narrativa, de forma a torná-lo mais dinâmico.

Primeiro Acto
  • Ligue com os acontecimentos anteriores.
  • Descreva a situação do protagonista.
  • Identifique claramente as ameaças.
Segundo Acto
  • Descreva o que o protagonista está tentado alcançar.
  • Descreva a dificuldade e os perigos acrescidos a que o protagonista se propõe e porque possivelmente irá falhar.
  • Interprete os dados e descreva espectacularmente os resultados das suas acções.

Terceiro Acto 

  • Descreva brevemente a nova situação do antagonista e do protagonista.
  • Faça uma ligação com o próximo turno.

O papel do Game Designer

É interessante analisar algumas das ferramentas que o D&D 5e introduz para estatisticamente tentar reproduzir em combate, sistematicamente e de forma emergente, os momentos narrativos:

  • Monstros mecanicamente menos mortíferos ao longo do desenrolar do combate (e.g. swarms perdem ataque ao perderem HP, grande quantidade de monstros fracos são mais mortíferos de início)
  • Habilidades de recarga (e.g. alguns monstros possuem mecânicas que não lhes permitem usar sempre as mesmas habilidades, permitindo ao mestre dosear o uso destes ataques mais poderosos)
  • Uso de feitiços de concentração (i.e. a maioria dos poderes mais poderosos em D&D permitem que sejam interrompidos)
  • Sensação de perigo superior ao perigo real (e.g. em D&D o jogador não morre imediatamente quando chega a 0 HP e tem mesmo a possibilidade de voltar à luta, criando um buffer entre a queda do personagem e a perda do jogo)

Terceiro acto

Em Roleplay, durante o terceiro acto, é costumeiro distribuírem-se as recompensas. Não distribua XP após o combate. Antes, permita que os jogadores validem as respostas às três perguntas iniciais sobre o antagonista que os levou a explorarem a área.

Deve sempre haver uma recompensa no final do combate, que pode assumir pelo menos uma das seguintes formas:

  • recompensas físicas (itens, moeda, equipamento)
  • recompensas de consolidação (validação das respostas às perguntas iniciais sobre a identidade e motivações do antagonista)
  • recompensas de progressão (colocação de um novo problema ou mistério a ser solucionado e que serve de ponte ao próximo acto)

Mesmo que os heróis tenham sido mal sucedidos durante o combate, a história deve prosseguir. A distribuição de recompensas continua a aplicar-se, apenas neste caso serão percebidas pelos jogadores como contrariedades para as suas personagens. Igualmente as contrariedades podem ser divididas em:

  • componentes físicas (adição de uma maldição, remoção de um equipamento),
  • consolidação narrativa (validação das respostas às perguntas sobre o antagonista)
  • progressão narrativa (nova demanda para reaver o equipamento perdido, mudança da cena para novo lugar).

Desse modo a narrativa continua sempre em frente. O falhanço ou sucesso não são impeditivos para o progresso da história.

Notas conclusivas sobre combate em Roleplay

O combate em Roleplay tradicional pode ocupar 60% ou mais do tempo de jogo. Se o mestre o encarar como parte da narrativa por:

  • tomar tempo para revelar as motivações dos agentes, engajando os jogadores
  • identificar correctamente os momentos chave narrativos, activando-os
  • entregar recompensas apropriadas ao nível de dificuldade, mantendo a progressão e conexão narrativa entre as mini histórias.

Nesse caso os jogadores terão uma excelente experiência narrativa durante o combate em Roleplay e não jogarão apenas um mini-boardgame durante essa fase do jogo.