A probabilidade de algo me deixar sem palavras é próxima de nula. Não sei se culpa de uma crescente frieza que se foi desenvolvendo dentro de mim ou se por um auto-controlo ainda maior, mas raras são as situações que me fazem ficar genuinamente boquiaberto.

Por outro lado, e graças à omnipresença da internet e das câmaras, à improbabilidade de me surpreender podemos juntar a probabilidade de esse raro evento ser captado e difundido. Foi precisamente o que me aconteceu na terça-feira, quando joguei Genital Jousting.

A estratégia de pura tabula rasa para com os jogos que vou analisar costuma funcionar para evitar preconceitos para com estes. Essa aplicação de um pré-bolha de isolamento costuma estender-se a filmes e séries, os quais também evito ver trailers, exactamente pela mesma razão. Não existe qualquer condicionamento apriorístico pelos realizadores e produtores de vídeos, nem eu sou pré-exposto à linguagem que querem passar com a criação do trailer. O contacto e as ilações sobre o que estou a jogar partem única e exclusivamente do contacto directo.

Não sabia sobre o que tratava Genital Jousting para além de alguns vislumbres nos modos multiplayer num ou noutro vídeo, ainda que o título seja bastante indicativo do que esperar. À falta da possibilidade de jogar os modos multiplayer por falta de companhia online e offline, decidi mergulhar no modo de história.

Nada que eu tivesse jogado até hoje me preparou para isto.

Nenhum aviso prévio far-me-ia surpreender tanto quanto me surpreendi.

Nenhum outro jogo conseguiu causar-me reacções com este.

Depois de Genital Jousting alcancei a dessensibilização máxima para a surpresa.

Há um novo mundo depois de Genital Jousting.

É verdade que o estúdio Free Lives e a Devolver quiseram conquistar-nos a todos pelo choque pela provocação, criando um jogo que é risível ao primeiro contacto e que nos põe nas mãos, não de forma literal, um protagonista-pénis para controlarmos. A maioria dos jogos esgotar-se-ia em poucos momentos no reconhecimento pueril da sua própria piada, limitado ao humor adolescente, superficial e a tresandar de hormonas.

Mas surpreendentemente, Genital Jousting conseguiu ir bem mais longe com a forma como quis fazer humor, afastando-se na maioria das vezes da mera piadola de “ir para a cueca”. É sempre nas virilhas que as piadas circundam, mas conseguem por vezes ir mais longe e fazer algo ainda mais difícil: criar uma história séria a ser encenada por pénis. Todo o elenco são pénis. Os animais são pénis (à excepção dos cisnes, por alguma razão). Tudo o que nos rodeia são pénis com um ânus na parte de trás, de cores, comprimentos, circuncisões, firmezas de pele diferentes, e que conseguem criar algo credível. Humorístico, mas ainda assim coeso. Coeso, eu disse coeso. Releiam por favor. 

O modo de história de Genital Jousting é uma lenda de meia-idade, de alguém que não consegue viver com a sua própria solidão, e a quem o sucesso profissional não preenche o vazio da falta de amor. Mas peguem nesta história aparentemente dramática, ou em extremo, introspectiva, e adicionem-lhe uma narração a meio termo entre a seriedade e o humor constante, e coloquem genitais a viver toda a história. É este misto de “isto é uma história interessante” com um “mas está a ser representada por pénis!” que nos deixa confusos a cada minuto. Sem saber se estou a adorar o momento por conseguir misturar uma linguagem ridícula e sexual com o absurdo de contar uma história relativamente séria sobre uma crise de meia idade ou se tudo é demasiado tongue-in-cheek, ou no caso, dick-in-cheek, para estar realmente a gostar.

John, o pénis triste, precisa urgentemente de encontrar uma companheira para levar à reunião do liceu que vai acontecer daí a 6 meses. Assolado com pesadelos constantes de todo o bullying e as vergonhas passadas na adolescência com os seus colegas de liceu, e que servem hoje na idade de adulta como catalisadores da sua procura pelo amor.

É estranho, bizarro, provocador, sexual, e a súmula das possibilidades que o mercado indie nos dá de encontrar propostas tão risqué que se assumem como hipóteses plausíveis que em mais meio nenhum teriam o investimento necessário para acontecer. O modo de história de Genital Jousting é uma espécie de filme do Lars Von Trier em que os actores são todos pénis com testículos e um ânus e que ingerem comida através deste.

Vivemos um bom momento dos videojogos. Um momento surpreendente, mas bom. Onde é possível fazer uma boa história interpretada por pénis. Uma ideia genital com certeza, e de difícil reprodução.