Há séries muito maltratadas. Não me refiro aqui ao valente enxovalhanço que a Warner Bros tem feito a algumas das suas franquias da DC Comics (como Suicide Squad) em que cada filme é o equivalente de um pontapé à Cais do Sodré às famosas histórias de BD. Harvest Moon, essas conjugação tão simpática de palavras que nos lembram a abertura dos videojogos a um mundo agrícola que faria o saudoso Engenheiro Sousa Veloso feliz, mas cuja última década soube arrastar pela lama como quem atira para o lixo uma laranja com uma ligeira imperfeição.

Entre as disputas legais do título que bifurcou a sua criação entre os Story of Seasons da Marvelous que tentam continuar a linha original desde a perda dos direitos do nome Harvest Moon para a Xseed, e os jogos criados por esta como o terrível Lost Valley. Ainda que Story of Seasons consiga manter alguma qualidade e dignidade à memória de Harvest Moon, a melhor resposta para este nicho acabou por ser dada por um estúdio indie com Stardew Valley até há precisamente uma semana.

No espírito tabula rasa que sempre tento manter para com todos os jogos sobre os quais escrevo, decidi fazer algo diferente: aproveitar a edição da passada semana (e o segundo episódio) do Caça ao Indie no Steam para começar a jogar a mais recente aposta da Team17: My Time at Portia.

Este jogo só seria mais Harvest Moon se sacrificasse a sua direcção artística próxima dos cartoons pelas características padrão do traço nipónico. Ainda bem que não o fez. Assim que caímos neste mundo recebemos a carta do nosso pai (naquele traço negligente que caracteriza os jogos do género) nos envia uma carta simplesmente a dizer (e com a devida tradução livre):

“Pus-me na alheta porque sim. Tens aí a quinta para trabalhares nela. Nota: é uma valente espelunca. Não tens de agradecer. Um abraço – Pai”.

É esta missiva mal-explicada (mas também não conhecemos o passado do nosso protagonista e da sua relação com os pais) que serve de combustível a viajarmos até Portia e a entregarmos a nossa vida à agricultura, mineração e a coragem de andar a derrotar monstros. Quem sabe se antes disto o nosso protagonista até era um webdesigner de sucesso que abandonou tudo atraído por uma carta do pai que prometia uma herança interessante, mas afinal a herdade que recebeu está mais próxima de uma barraca que uma mansão onde pudesse abraçar a vida de pretenso aristocrata?

São os primeiros minutos que nos mostram que My Time at Portia vai ter um direccionamento muito grande para o enredo, com esta versão em Early Access a apresentarem-nos os muitos personagens que habitam a pequena vila.

My Time at Portia incorpora uma série de mecânicas dos jogos do género. Recolher recursos, transformá-los, construir novas ferramentas para recolher recursos mais raros. Tudo isto com um sistema de energia que condiciona o número de acções que podemos fazer até dormirmos ou até nos alimentarmos. Esgotada que fique esta energia e temos de a repor de alguma forma ou simplesmente “fechar a loja” e voltar no dia seguinte.

Depois de devidamente ambientados ao sistema de quests e às poucas mas intuitivas mecânicas que constituem My Time at Portia, somos convidados a visitar as únicas ruínas disponíveis nesta versão Alpha, o elemento de dungeon run deste jogo. Dizer que a inspiração vem apenas de Harvest Moon é limitar o espectro daquilo que este jogo é, e sentem-se muito as influências visuais e mecânicas dos jogos da Level-5, em especial Fantasy Life e Ni No Kuni.

O facto de o foco deste título ser a componente de oficina, de construção de ferramentas e até de maquinaria, vem dar-lhe uma identidade própria. Há uma grande inteligência em toda a atenção dada a jogos como estes, especialmente com o sucesso estrondoso de Stardew Valley que veio reconquistar muitos jogadores desiludidos com Harvest Moon e muitos outros que não conheciam o género.

Sabemos que aquilo que apresenta agora ainda é (esperamos) apenas a ponta da árvore que existirá frondosa em Julho quando se espera que My Time at Portia atinja o lançamento final. Mas tudo o que nos mostra agora, a começar no excelente voice acting e a continuar pelo visual que é verdadeiramente ternurento (e nem temos de falar dos lamas cor-de-rosa) e cativante já indica que este vai ser o sucesso que vai suceder ao título de Eric Barone.

My Time at Portia é o melhor Harvest Moon em mais de dez anos, e nem precisa do peso do título para o ser. Percebe-se que não só o estúdio aprendeu muito com o seu primeiro título (Planet Explorers) como com Stardew Valley e outros bons exemplos. O que já existe aqui é simplesmente maravilhoso, um mundo do qual não queremos sair e que vem ser uma lufada de ar fresco a tantas tentativas de life simulator fantasiosos que caíram por terra. Mas este vai ser um sucesso garantido. Aliás, já é.