Com o sucesso de algumas visual novels no Ocidente como Ace Attorney ou Danganrompa, não demoraria muito até que começassem a aparecer algumas produções “locais” dentro do género. The Mind’s Eclipse é um dos seus melhores exemplos.

Esta apropriação (e utilizo o termo sem qualquer conotação pejorativa) do género com uma lavagem norte-americana conduziu a uma adaptação visual entre a linguagem nipónica “original” numa transição para os comics a preto e branco. A sua arte é possivelmente a maior razão que nos leva a abraçar esta história de mistério e sci-fi, que nos aproxima da linguagem da banda-desenhada que se produz nos círculos independentes. Uma linguagem corrente noutro meio mas que permite um destaque mais forte aqui no mercado dos videojogos.

Em pleno cliché, The Mind’s Eclipse leva-nos a viver a pele de Jonathan, o nosso desmemoriado protagonista na procura da cura d’A Doença que vitimou a sua mulher e grande parte da população mundial. Apesar de todos os avanços tecnológicos, A Doença continua a surgir indetectada sem qualquer indicação até ser tarde demais.

Rodeado apenas por cadáveres, o desafio deste jogo é o de reconstruir o que se passou durante o tempo em que a nossa memória é inexistente, recolhendo para isso informações nos corpos dos que nos rodeiam. Entre as sequências de investigação obviamente inspiradas por Phoenix Wright, a forma como The Mind’s Eclipse nos permite fazer esta reconstrução envolve uma análise de tablets com logs indiferenciados, com comunicações entre os personagens.

O mistério em torno de todo o jogo é incrementado por L, a excelente companhia artificial que nos acompanha nesta missão. O seu sarcasmo é um contraste importante em toda a aura de mistério e incerteza que rodeia a nossa história. Mas é também ela, a L, que mais vai contribuir para que consigamos encontrar as respostas às perguntas que temos, preenchendo o vazio da nossa memória com a procura pela verdade, pelos escombros da estação privada de investigação onde trabalhamos.

A dedução e mapeamento de informação serão aqui rainhas, num jogo altamente narrativo. É curioso como o mercado (ou o público) evoluiu numa direcção em que os developers têm de avisar em letras garrafais na sua página de venda no Steam que o jogo requer muita leitura. Como se isto fosse um preâmbulo para não espantar os pobrezinhos dos jogadores contemporâneos que se auto-excluem da leitura ou do interesse pelo enredo em detrimento da acção rápida e de consumo efémero.

The Mind’s Eclipse é uma banda-desenhada interactiva ao bom estilo das boas visual novels. Revelar qualquer pormenor da história que não seja a sua própria premissa é destruir o seu ponto mais alto. A utilização eventual de cor num mundo a preto e branco é a metáfora perfeita para todo a discussão filosófica da existência humana e dos perigos da expansão da Inteligência Artificial. The Mind’s Eclipse ficar-nos-á na memória como uma interessante abordagem ocidental às visual novels. E um curioso conto de sci-fi que consegue crescer para além dos clichés.