Quase tudo tem um prazo de validade. Quase tudo, porque se há algo que nos demonstra ano após ano que não precisa de grandes alterações à fórmula para ter sucesso é Call of Duty e FIFA (e PES), com milhões de fãs a comprarem cada nova iteração de forma religiosa.

Por incrível que pareça, Musou, ou Warriors, os famosos jogos da Koei Tecmo parecem ter vivido dezenas de títulos sem sentir esses efeitos. Também, convenhamos, para além da série original da Omega Force, Dynasty Warriors (que fala sobre uma parte da História da China) e Samurai Warriors (que repete a façanha mas com a História japonesa), os muitos títulos que têm saído são um casamento da fórmula Warriors com outras franquias, o que, invariavelmente, mantém uma enganadora frescura sobre a fórmula.

Sei que não é apenas para mim mas também para algumas pessoas do Rubber (e para milhares pelo mundo todo) mas os jogos Warriors, sejam eles de que franquia, são quase guilty pleasures que consumimos apenas pelo prazer de o consumir. A diversão e a acção pelo entusiasmo, sem nunca esperar daí retirar mais do que aquilo que o jogo já nos dá, sem esperar alguma experiência transcendente destes famosos hack ‘n slash.

Neste nono jogo principal da série Dynasty Warriors os criadores da Omega Force decidiram arriscar e tentar fazer algo diferente da série de videojogos sobre o período dinástico descrito no clássico Romance dos Três Reinos de Luo Guanzhong. Com algum cinismo meu, acredito que estas mudanças não se prendem com uma necessidade pura de inovar, mas antes pelo contrário.

O facto de Dynasty Warriors 9 quebrar com o sistema clássico de progressão por missões encerradas em si mesmas e apostar num mundo aberto, navegável, é maior sintoma de contágio do mercado do que tentativa de inovação. Respeito bastante a necessidade dos seus criadores de quererem quebrar com a fórmula, e mesmo tendo quase a certeza que esta abertura do mundo que imputaram a esta iteração é sintoma de uma tentativa de chegar a mais público, não posso deixar de os congratular por alterarem aquilo que é possivelmente a fórmula mais estanque de todo o mercado dos videojogos. Uma fórmula tão imóvel que já deixou a discussão em muitas situações se Warriors ou Musou são um género por si só, por serem algo ligeiramente diferente dos restantes hack ‘n slash games.

Já por diversas vezes enunciámos esta integração destes elementos de mundo aberto, com recolecção de materiais e crafting, em títulos que nunca imaginaríamos qe algum dia o fizessem. Em alguns casos este casamento foi feliz, tal como em Dragon Quest Builders com a interligação mais profunda entre Minecraft e a famosa série de Toriyama, ou Assassin’s Creed Origin onde o tom mais compassado da série permitiu-lhe conviver bem com esta adição, que foi apenas uma ligeira curva para o que a linhagem da Ubisoft já anteriormente fazia.

Mas depois de largas horas em Dynasty Warriors 9 tenho de admitir que esta aventura fora da proveta onde os jogos Musou são feitos não foi de todo bem conseguida.

Analisemos os componentes de um jogo destes e o que o caracteriza. Combates intensos repletos de button mashing contra centenas ou milhares de inimigos que caiem como formigas num vendaval. Percorrermos uma multiplicidade de espaços dentro de cada missão para quebrar a influência e os avanços dos inimigos, num ritmo intenso que nos obriga a estar em constante movimento, a tentar estar em todos os sítios ao mesmo tempo.

O novo mundo aberto de Dynasty Warriors 9 não é o problema, visto que até o podemos encarar como uma alteração de escala do próprio jogo. Mas são os elementos de recolecção de materiais que vêm embater de frente no ritmo acelerado do jogo. Imaginem o que é estar a percorrer dois checkpoints distintos do mapa a cavalo e começarmos a receber a indicação de materiais espalhados no chão. A compulsão de os recolhermos na ânsia de podermos fazer melhorias às armas vão servir mais como elemento de distracção do que de valor acrescentado à formula. 

Muitas das horas aqui percorridas iam resvalar nisto mesmo, em desvios do percurso apenas para ir apanhando materiais caídos, afastando-me cada vez mais dos meus objectivos. E quanto mais o fazemos mais nos cruzamos com grupos de bandidos ou animais para caçarmos e recolhermos materiais. Aliás, a adição de caça e pesca neste jogo são objectivos paralelos mas que colidem no espírito geral do jogo. Que se ajustam em jogos como Assassin’s Creed porque nós criamos o nosso ritmo, mas que não encaixam num hack ‘n slash quase sem pausas como um Warriors.

Isto é fatal num jogo que necessita da nossa constante atenção, com acção frenético. Senti-me muitas vezes uma espécie de Dory (do Finding Nemo) sem conseguir manter o foco em pleno campo de batalha, a oscilar entre fazer ataques a pelotões inimigos e recolher materiais caídos no chão, plantas, pedras e afins.

Conceptualmente este é o elemento que não só destoa da ideia dinâmico de Warriors de uma batalha sempre presente e ininterrupta, como acaba por não trazer nada de verdadeiramente interessante ao que o jogo já faz bem.

O combate depurado e intenso tem aqui uma das melhores expressões da série Warriors, e é, e deve ser para todos que o joguem, o grande foco da sua atenção. O mapa imenso em que temos de fazer fast travel para as diversas zonas e de estar em constante alerta das investidas das forças inimigas transforma este num dos mais apelativos jogos da série. Mas as constantes distracções dos materiais e dos elementos paralelos são uma distracção demasiado presente para justificar esta mudança de tom.

Dynasty Warriors 9 tem valor pelo risco que corre, na nona tentativa de recontar um dos clássicos da literatura chinesa. A diversão associada ao seu hack ‘n slash exímio perde-se nas distracções impostas pelo próprio jogo. A abertura do jogo é salutar mas a sua cedência à pressão do mercado do crafting e recolha de materiais tornou-se uma mera vulnerabilidade.

Ainda assim, como em todos os jogos Musou, há algo de verdadeiro hipnótico que nos faz jogar horas seguidas porque “vamos só avançar mais um bocado”. Milhares de inimigos derrotados e continuamos tão absorvidos como se tivéssemos começado a jogar há apenas alguns minutos. Os guilty pleasures realmente não se explicam.