Com vinte anos de série e quase duas dúzias de lançamentos, é fácil perdermos o rasto dos muitos passos dados na fórmula de Pokémon. Uma das séries de maior sucesso da História dos videojogos e que, apesar de a adorarmos, poucas mudanças significativas existem entre cada nova iteração.

A segunda geração de Pokémon, iniciada com Gold e Silver e encerrada com chave de ouro, aliás, de cristal com o Pokémon Crystal, é indubitavelmente a grande definidora daquilo que seria a série até aos dias de hoje.

Red e Blue (e Yellow, já que Green não teve honras de destaque no nosso território) foram a génese de tudo. As fundações do que viria a ser um dos grandes marcos para todos os jogadores, que cresceram, como nós, lado-a-lado com Pokémon. É fácil darmos por garantidos os diversos elementos que constituem os jogos actuais, esquecendo que apesar de Pokémon ser uma série que tem evoluído progressivamente, adaptando-se às ideias de sucesso que introduziu de iteração em iteração. Mas existem várias razões para que muitas gente considere a segunda geração a melhor de todas. A realidade é que do ponto de vista pragmático-conceptual ela é a mais influente de todas até hoje.

A extensão do número de criaturas disponíveis começou precisamente aqui. Ao contrário do que a Game Freak tinha feito com o lançamento de Yellow, os jogos da segunda geração passados na região de Johto trouxeram 100 novos Pokémon, o que constituiu desde logo uma surpresa para muitos jogadores, habituados à fauna delimitada dos 151 primeiros que conhecemos.

Esta abertura de novos Pokémon acabaria por ser mais representativa do tom da série do que possamos imaginar. Tornou-se expectável que sempre que uma nova iteração saísse, esta nos fizesse indagar pela criatividade que rondaria em torno de todos os novos “monstros” criados.

Apesar de não ser uma característica que se tenha mantida em toda a série, a inovadora introdução do tempo (tanto meteorológico quanto cronológico) é uma dos elementos mais criativos de toda a série. Olhando em retrospectiva, a decisão de colocar dias da semana talvez tenha sido um dos momentos mais inovadores, especialmente se tivermos em consideração a introdução dos relógios internos nas consolas mais recentes e o despoletar de eventos únicos desde então. Mas o momento mais importante era o ciclo de dia e noite que não só influenciam as evoluções e os encontros, como tinham diferenças visuais significativas em todo o jogo.

As alterações ao “estado do tempo” começaria com a introdução de movimentos que mudam o campo de batalha e que seria a pedra basilar da introdução das estações na quinta geração, com efeitos mecânicos claros em cada combate.

As inovações não ficaram por aí. Para além de uma maior e melhor gestão do nosso inventário e introdução de Pokébolas diferenciadas e especializadas, foi nesta geração a última vez (até à introdução recente do tipo Fairy) que se criaram de forma canónica tipos de Pokémon, com a criação (até em retroactividade) das classes de Steel e Dark.

Foi também nesta geração que os Shiny Pokémon surgiram pela primeira vez assim como a procriação de Pokémon, o que viria a ser um standard, especialmente para a cena competitiva. Cena essa que veria no formato single player o desafio a ser aumentado com a introdução em Crystal de outro standard da série: a Battle Tower, para além de ataques especiais em alguns Pokémon.

Pokémon Crystal (que foi recentemente relançado para 3DS, em versão digital ou numa caixa física com código como as que encomendámos de Espanha) acabaria por ser muito mais que o terceiro jogo da geração. Os seus criadores aproveitaram a oportunidade para fazer dele o verdadeiro corolário de todas as mecânicas e ferramentas que acompanhariam a série até aos dias de hoje.

A primeiras das surpresas que Crystal nos reservou prendia-se com a introdução de animação de sprites durante o combate. O feito técnico era impressionante, especialmente se tivermos em conta a dimensão reduzida dos cartuchos de memória de Game Boy. É claro que estas animações estão a anos-luz do que as gerações actuais de 3DS conseguem, mas foi aqui que tudo começou.

Mas ideologicamente a grande mudança de paradigma que Crystal trouxe foi a possibilidade de escolhermos uma protagonista feminina. Pokémon é um jogo para todos, e decerto que tanto a Nintendo como a Pokémon Company perceberam que muitos dos seus jogadores eram na realidade jogadores. Ostracizá-las com a impossibilidade de escolherem um personagem que não fosse masculino não era de todo a melhor jogada a médio prazo.

Pokémon é uma das nossas séries favoritas, mas muitas vezes é fácil esquecer o longo caminho já percorrido. Gold, Silver e especialmente Crystal pegaram na fórmula base da primeira geração e estabeleceram tantas inovações que é impossível não considerar esta a geração mais marcantes de toda a série. Tê-los disponíveis (e com acesso ao Pokémon Bank) na 3DS é uma excelente oportunidade não só de rejogar alguns dos melhores jogos de Pokémon, como de perceber todos esses passos que se tornaram o standard da série.