Crescer a brincar e a imaginar

Quem aqui se lembra de quando era criança e inventava mundos e personagens mirabolantes para brincar com os nossos amigos de rua ou escola? Quem nunca andou à chapada por querer ser o herói que salva a donzela, ou fazer uma birra por não querer desempenhar o papel de vilão? Desde o velho “Matei-te!” com a resposta “Não, não, eu desviei-me e sou imune a isso!” a aparecer logo a seguir, até à eventual conclusão da história, todo este processo de brincadeira era gerado pela nossa imaginação e curiosidade infantil. O processo de aprendizagem através do faz de conta é algo inerente à condição humana, não fôssemos todos macacos com a mania de serem especiais, e é algo que todos podemos partilhar, de uma maneira ou de outra.

Pela palete apresentada, devem estar a brincar aos Power Rangers

Voltemos então atrás no tempo, a uma altura em que provavelmente muitos de vocês (e mesmo eu!) ainda não éramos vivos. Em 1974 nos Estados Unidos, Gary Gygax e Dave Arneson criaram e publicaram um pequeno jogo conhecido como Dungeons & Dragons. O jogo rapidamente se espalhou e dominou uma geração de jogadores, pela sua promoção de um ambiente social que estimulava a criatividade e possibilitava a criação de uma história interativa em que os próprios jogadores eram os protagonistas. Era um pouco como pegar na brincadeira de criança que mencionei acima e dar-lhe uma plataforma robusta e estruturada, onde ela podia crescer para lá da brincadeira do dia-a-dia, adequando-a a um público mais maduro e com expectativas e objectivos diferentes. Este foi o segredo, na minha opinião, que elevou D&D ao estatuto lendário que ocupa hoje, a fusão entre a alegria e criação da infância, com a solidez e foco da maturidade.

Pouco depois, aproveitando o crescimento deste fenómeno, começaram a sair o que hoje conhecemos por livros-jogos, onde muito à semelhança de D&D, éramos o protagonista que percorria uma história interactiva, fazendo as decisões e os rolls que nos levariam a um de vários finais possíveis. Este formato tinha a vantagem de poder ser jogado em qualquer lado e individualmente, sem a necessidade de criar um mundo, personagens e história, facilitando a entrada a jogadores mais preguiçosos, ou com menos tempo para dedicar. Grandes exemplos deste género são as colecções Choose your Own Adventure e Fighting Fantasy (Aventuras Fantásticas em Portugal), com mais de 17 milhões de livros vendidos, com tradução em 28 línguas. Tanto D&D como estas colecções foram enormemente influenciadas pelo imaginário da fantasia medieval, do qual o maior exemplo literário é J.R.R Tolkien. No entanto, é curioso constatar que é possível ver neles também o início das tentativas de aliar uma componente lúdica a esta componente literária, algo que hoje é um marco da indústria de videojogos. Sendo assim, esta era foi crucial para o desenvolvimento dos video-jogos atuais, um género de missing link na transição de géneros. O jogo de qual vamos falar hoje é um exemplo moderno dessa transição.

Uma colecção impressionante, tanto em tamanho como qualidade!

De Bárbaros e Bestas…

The Barbarian and the Subterranean Caves (daqui para a frente The Barbarian), criado pela NLB Project, segue as aventuras do bárbaro Ragnar que, ao chegar a uma nova cidade, procura dinheiro, fama, glória e aventura, muito ao estilo Conan, o Bárbaro. Trata-se de uma visual novel em que podemos inicialmente atribuir três de seis skills ao nosso bárbaro, que irão influenciar o resultado de algumas decisões no jogo e abrir-nos ou fechar-nos alguns caminhos. Após esta selecção, o jogo funciona como uma visual novel, com imagens 3D a contextualizar cada situação e um menu de selecção de acções com base em texto e diálogos.

“Deep”, “Dungeon” e “Darkness” são palavras que vão ler muitas vezes. “Hole” também é comum, mas menos…

A história de The Barbarian acaba por ser o seu ponto forte. Embora curta, existem muitas ramificações e alguns plot twists interessantes, que pedem por sucessivas playthroughs para espremer o sumo a tudo o que Ragnar tem para oferecer. Infelizmente, tudo o resto é medíocre. O jogo não possui nenhuma animação e os gráficos 3D são pouco detalhados, com repetição ad nauseam de texturas e iluminação pouco realista, resultando num cenário muitas vezes gritante e distrativo, com excepção dos cenários das cavernas, que estão bem mais circunspectos e adequados. A música também não se adequa às cenas, removendo-nos da imersão na história por chegar ao ponto de ser irritante. Existe um mini-jogo, mas é mais uma pequena distracção sem grande relevo na história nem profundidade suficiente para o repetir, sendo um misto de sorte e paciência. Além disto, o jogo tem muito pouco de jogo, pendendo mais para o lado de uma história não-linear. Isto não seria muito incómodo noutras situações, mas quando nos dão um guerreiro gigantesco para as mãos e nos colocam em situações perigosas, quase que seria obrigatório incluir alguma forma de combate, para salientar os momentos de tensão e criar alguma sensação de perigo.

As visual novels são um género muito prolífero e, quando não nos destacamos da multidão, acabamos por cair no esquecimento. Hoje em dia as visual novels vivem não só de um mundo, personagens e enredo fortes, mas também de uma direcção artística atraente e de mecânicas inovadoras que surpreendam o jogador. The Barbarian cinge-se ao mínimo possível e por isso não se recomenda ao preço de 4,99€ na Steam, havendo alternativas mais atraentes a um preço similar, como The Mind’s Eclipse ou Herald: An Interactive Period Drama.