Numa época em que a multiculturalidade parece ameaçada pelo crescendo de movimentos nacionalistas, é de salutar todas as expressões artísticas que venham trazer para um público abrangente algumas culturas que parecem eclipsadas por estereótipos.

Mulaka vem falar do folclore mexicano, e traz essa inspiração para um jogo com voz própria, com uma expressão semelhante a algo que bem conhecemos do passado, mas com algo de seu.

É fácil ver os arames de Okami ali por trás, na forma como o mundo e o protagonista se interligam e se criam em ligação um com o outro. Se no clássico do defunto Clover Studio abordávamos a ligação dos deuses nipónicos às lutas do planeta, em Mulaka vemos o quanto a cultura das tribos Tarahumara, indígenas do México, tem estas mesmas lutas materializadas no sobrenatural.

Enquanto um xamã Tarahumara cabe-nos a tarefa de derrotar os monstros que assolam a terra, protegendo-a com as nossas habilidades e conhecimentos. Trazer estas ideias para um ambiente de action RPG tridimensional parecia apenas o caminho mais natural, a forma mais óbvia de contar esta história do folclore mexicano. Conseguimos ver o mundo físico e o espiritual, e obter os poderes (e mutarmo-nos) em diversos animais. Capacidades curiosas e que parecem transversais a muitas das culturas indígenas, que depositaram desde tempos idos a sobrenaturalidade do mundo sob a existência dos animais, tendo-os como sábios observadores e protectores da terra.

A direcção artística definida pelo estúdio Lienzo para este Mulaka foi extremamente inteligente. Não só a paleta cromática mais quente nos relembra bem a paisagem mexicana, desde o deserto às cidades, como a decisão de ter uma abordagem low poly ajuda a construir uma imagem próxima da expressão tribal dos Tarahumara, e ao mesmo tempo, conceder uma linguagem única a MulakaEste mundo é, aliás, belíssimo. Há muito também que nos leva para o magistral Journey, mas ao mesmo tempo a ser distinto o suficiente para não ser um mero pastiche. Já que falamos da cultura mexicana, a utilização de instrumentos típicos na composição da banda-sonora ajuda a construir o ambiente perfeito para este jogo.

O combate é um dos grandes focos de Mulaka, e é aqui um dos locais onde a influência de Okami é mais sentida. A forma como temos de “estudar” os nossos inimigos e perceber a forma mais eficaz de os derrotar utilizando o número limitado de ataques que temos, como uma dança em que utilizamos determinados movimentos para “despacharmos” os inimigos com rapidez. Especialmente quando o desafio de os derrotar aumenta e estamos rodeados por muitos monstros, em que temos de priorizar os nossos ataques para não sermos rapidamente “engolidos” pela turba.

Mulaka é uma ode à mitologia tribal mexicana e um importante momento cultural de valorização de “universos” históricos diferentes daqueles que tantas vezes vemos replicados em videojogos e noutros media. Há uma riqueza tremenda na história e no folclore Tarahumara e uma importância cabal em Mulaka, não só por conseguir criar um interessante jogo sob a determinante influência de Okami, mas também por saber valorizar uma cultura diferente, e levando-a a tornar-se acessível a milhares de pessoas por todo o mundo.