Longe de querer roubar o trabalho a Michael Pachter no terreno da adivinhação, acho que algumas tendências de crescente popularidade na indústria dos videojogos permitem idealizar o modelo de jogos que muitas editoras sonham criar num futuro próximo. Ora, elas próprias gritam os planos aos quatro ventos!

O seu sucesso ou fracasso depende de muitas variáveis, mas o impulso para o seu desenvolvimento é uma certeza. Sim, vamos falar de alguns assuntos geralmente associados à “ruína” dos videojogos, mas sem narrativas de terror, e plena consciência que diferentes modelos funcionam melhor para diferentes companhias, preservando a variedade apesar das transformações.

Investimento Recorrente do Jogador, Live Services e outros eufemismos

Polémicas ou não, microtransações geram muito dinheiro. A afirmação por si só é bastante óbvia e reconhecida, mas vamos falar de números para melhor absorver a dimensão. A Activision Blizzard fez no ano passado 4 mil milhões de dólares em microtransações. Para a Ubisoft, a receita da venda de conteúdo adicional já ultrapassa as vendas dos jogos nas lojas digitais. A EA aproxima-se dos mil milhões de dólares anuais apenas com o modo Ultimate Team de FIFA. Segundo os relatórios financeiros para o ano de 2017, para a Take-Two estes “investimentos recorrentes dos jogadores” são responsáveis por 48% dos lucros totais.

A elevada percentagem de retorno destes conteúdos adicionais quando comparada com a tradicional produção e venda de um jogo completo coloca em questão a forma de operar das companhias. Esqueça-se a narrativa ingénua de que os jogos custam demasiado a produzir para serem pagos apenas com o preço de compra. As empresas têm a obrigação legal para com os seus acionistas de tomarem as decisões que protejam e beneficiem o negócio, e este tipo de lucros não só não podem ser ignorados, como devem ser considerados no próprio modelo de negócio. Isto influência o tipo de jogos, a sua escala, foco e volume de lançamentos.

Esta mudança gradual para Games-as-a-Service ou Live-Services, onde um jogador se dedica a um só título por um período alargado de tempo, idealmente contribuindo para a economia dos conteúdos extra oferecidos, está ainda em crescimento. As produtoras experimentam, tentando encontrar o modelo ideal que agarre os jogadores e bloqueie conteúdo suficientemente apetecível, balançando os limites do que é esperado de um jogo completo quando este é pago a preço inteiro. Isto, ao contrário do mercado free-to-play, onde com expectativas diferentes, estas fronteiras estão tão esbatidas que são quase inexistentes.

A Nintendo não foi a primeira a lembrar-se de vender cartão

Embora DLCs de história ou armaduras para o cavalo povoem os jogos single-player, os modelos que melhor se adaptam a esta estratégia estão no multijogador, onde a competição “requer” a compra de todas as expansões e mapas e a interação permite jogar todos os dias com os amigos, e “fazer inveja” com aquela skin nova.

Massificação do Multijogador Online

O apelo do multijogador é também aparentemente mais generalista, liderando consistentemente as tabelas de vendas sob a forma dos mais recentes shooters e jogos de desporto. Contribui para tal a componente competitiva online, que incentiva a que cada elemento de um grupo de amigos tenha uma cópia, enquanto um jogo linear single-player pode ser emprestado entre eles.

“Ah, também gostas de videojogos? O que jogas? Eu jogo Call of Duty. E FIFA

– Aquele colega de trabalho

O facto de o jogo se centrar na competição em vez de uma narrativa, torna a sua transmissão no Twitch ou Youtube, ou mesmo a sua inclusão em eSports, numa ferramenta de publicidade mais eficaz, não havendo quem deixe de comprar por já ter visto a história.

Mas se o objetivo é reter jogadores, um elemento chave é o valor do seu progresso. Mesmo reconhecendo o sucesso de jogos por partidas como Overwatch ou PlayerUnknown’s Battlegrounds, o apelo de uma personagem evoluída e equipada progressivamente num mundo persistente e com muito conteúdo, incentiva a dedicação. Não é por acaso que os MMOs são dos jogos com maior tempo de vida após o lançamento. É neste modelo MMO-Lite que se apoia Destiny, o futuro Anthem da Bioware, ou mesmo Grand Theft Auto V: Online, utilizando o sentimento da personagem como extensão do jogador para vender customizações com dinheiro real.

Mas se atualmente jogos online com preço inicial e recheados de microtransações, começam a encontrar barreiras e limites impostos pelos jogadores sob a forma de protestos nas redes sociais e boicotes a títulos, a solução das produtoras pode passar mesmo por um ainda maior foco na longevidade.

Para a Ubisoft, “Jogo” já está na categoria do passado. Fonte: Apresentação Financeira da Ubisoft

Plataformas de marcas

Em princípio, isto pode parecer um contrassenso, opondo-se à prática comum de lançar um novo título todos os anos, para recolher as vendas produzidas pelo apelo da mão-cheia de novidades introduzidas na sequela. Mas em termos de custos, que melhor estratégia do que utilizar o espólio de material já existente para atualizar um jogo base? Parece ser essa a rota, por exemplo, da próxima entrada no universo Dragon Age. Apelidado como um jogo “vivo”, o administrador geral da Bioware afirma que se focará na história e personagens, mas será criado para suportar uma narrativa contínua e viva, após a história principal.

Neste panorama onde o digital se encontra num percurso crescente, mesmo nas consolas, cada vez mais faz sentido a ideia de jogo como plataforma onde conteúdo é adicionado em sucessivas atualizações, numa escala muito além dos atuais dois ou três DLCss de história.

Isto requer um investimento maior, num mundo de jogo com espaço para ser explorado e conteúdo que mantenha o interesse. Apesar da rentabilização a longo prazo, o investimento requerido para cada jogo seria muito maior, aumentando também o risco associado.

Seguindo o exemplo dos MMOs, para um título com uma longa vida, a monetização por subscrição é a ideal no caso de um produto bem-sucedido. No entanto, fechar o jogo atrás de um pagamento mensal recorrente é uma escolha arriscada, da qual muitos jogos tiveram que recuar. Generalizar esta prática a um grande número de títulos é também o caminho para um mercado fraturado e sem vencedores.

É aqui que uma estratégia recente da Microsoft pode ser importante. Começando com Sea of Thieves, os seus futuros exclusivos estarão disponíveis desde o lançamento na sua subscrição Xbox Games Pass. Isto inclui já uma lista crescente de jogos passados a que os jogadores terão acesso com a sua subscrição em dia. Também a EA, por exemplo, já disponibiliza o seu EA Access, com um cofre de jogos sempre em crescimento, embora apenas adicione alguns escolhidos, vários meses depois do seu lançamento. Este tipo de subscrição que engloba vários jogos cumulativos é mais atrativa do que o pagamento mensal de um jogo apenas.

Para além do objetivo principal ser a venda de consolas, talvez a atualmente parca fileira de exclusivos da Microsoft permita que este modelo de negócios seja rentável, algo que a EA, Ubisoft, Activision Blizzard ou Take-Two teriam maior dificuldade em aplicar. Mas se em vez de incluírem todo o seu alinhamento, estivermos a falar de acrescentar um ou outro jogo do plano live-service a uma subscrição atrativa como as já existentes da Xbox ou da EA, seria a solução ideal. O menor número de títulos disponível alinha-se com a sua produção mais elaborada e consumo prolongado. A segurança de uma fonte de rendimento contínua e mensal, permitiria amenizar os riscos da produção de títulos de grande envergadura. Tal como nos serviços de entretenimento televisivo de hoje em dia, o crescimento individual destes serviços, alimentado pelos seus próprios conteúdos é uma possibilidade que com certeza as produtoras têm investigado.

O canibalismo da concorrência

O investimento em grandes live-services não é arriscado apenas pelo custo em si, mas porque quando divididos por experiências que requerem dedicação, os jogadores são um recurso finito. Quando apresentadas várias ofertas que competem no mesmo género e estilo, apenas ou melhores e/ou mais famosos dos jogos ficarão na corrida. Isto é potenciado nos títulos multijogador, pela necessidade de uma comunidade para manter o jogo vivo.

Quem dera à Ubisoft ter filas para começar The Division, como no seu lançamento

Por estas mesmas razões, a história recente está cheia de cadáveres de produções que procuravam seguir as tendências e caíram perante os rivais. Titanfall 2, lançado entre Battlefield 1 e Call of Duty: Infinite Warfare não teve o sucesso que a sua qualidade merecia. LawBreakers, Paragon e Battleborn foram suplantados por Overwatch. Outros jogos desenhados para durar como Evolve e The Division, simplesmente não conseguiram prender o público. No entanto a Ubisoft não desistiu da ideia e vai voltar à carga com The Division 2.

Para um género que pretende rentabilizar “plataformas” durante anos, numa indústria que tende a seguir os exemplos de sucesso dos outros, com versões próprias, este é talvez o perigo mais significante. Mais uma vez, a presença das já mencionadas subscrições pode atenuar este problema para quem melhor as implemente, por criar uma relação de “lealdade” com os utilizadores.

Mas nem tudo é breu

O pitch perfeito numa sala de decisões seria então uma plataforma de multijogador online viciante, com uma grande base de jogadores, novo conteúdo frequente pago por base de subscrição ou microtransações abundantes, que permitam a maior longevidade possível. Um loot-shooter com um sucesso à la World of Warcraft pode ser apenas o sonho molhado dos investidores das grandes companhias, mas as condições para que isso aconteça podem vir a reunir-se.

O caminho que está a ser bravado maioritariamente pela EA e Ubisoft pode ser facilmente seguido por outras grandes editoras com plataformas próprias. É provável que apenas se aplique a alguns dos seus títulos, mantendo por exemplo a anuidade de jogos com vendas elevadas garantidas como é o caso das propriedades de desporto. A Take-Two poderá por exemplo continuar a lançar NBA 2K todos os anos, mas na subsidiária e antigamente prolífica Rockstar, depois do sucesso de GTA Online, será de esperar que continuem este ciclo de investir na duração da vertente online dos títulos principais, como o próximo Red Dead Redemption 2.

Como jogador maioritariamente solitário, pessoalmente não tenho nenhuma pressa que as ambições destas produtoras se concretizem. No entanto também não tenho medo de ser excluído. Nem todas as companhias têm o mesmo objetivo, e podemos esperar boas exceções da Sony, Nintendo e até Microsoft que destaquem o seu hardware. A Bethesda tem sido exemplar na publicação de bons jogos single-player, sem abusos de microtransações. Outros seguem o mesmo caminho, porque o mercado também tem quem prefira jogar offline e para estes existirá igualmente oferta. Também nem todos têm o orçamento para criar live-games, e a oferta independente é cada vez mais e de maior qualidade. Veja-se Hellblade Senua’s Sacrifice como exemplo do que pode ser atingido com uma equipa de 20 pessoas e as ferramentas disponíveis atualmente, e talvez um dia o monopólio do AAA não esteja nas mãos de meia dúzia.

Isto sem contar com surpresas como o Nintendo Labo, que nem Michael Pachter sonharia ver nos búzios…